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1,6 milhão de motivos para mudar

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1,6 milhão de motivos para mudar

Já tratei algumas vezes do tema suitability nesta poste. E, de maneira muito objetiva e direta, sempre afirmei que, da forma porquê hoje se configuram a regulamentação, o mercado de distribuição, a tecnologia e a inconstância de ativos, o processo é ineficiente e unicamente “operável”.

Hoje, o suitability não protege você de produtos ruins. Acho que ele pouco diz sobre o que significa ser conservador, moderado ou ofensivo, porquê isso se relaciona com seus objetivos de investimento e com aquilo que você procura.

Ampliando o escopo da estudo, as regulamentações da CVM e a autorregulação da Anbima a reverência da forma porquê os canais de distribuição devem selecionar e ofertar produtos não são detalhadas o suficiente quanto ao responsabilidade de diligência das instituições, de maneira prática. Isso deixa o investidor sujeito aos perigos dos canais de distribuição.

Defendo mudanças que obriguem maior detalhamento e transparência em todo o processo de aprovação e monitoramento da oferta de cada resultado nas instituições — e que CVM e Anbima monitorem. Isso começaria, de veste, a ajudar o investidor a ser protegido pelo processo de suitability.

É verdade que secção dessa responsabilidade também cabe ao Banco Meão, no caso de distribuição de CDBs e outros títulos de emissão bancária. Mas é justamente para isso que existem os fóruns apropriados entre reguladores, para alinhamento e harmonização desses temas.

De veste, a regulamentação da CVM e a autorregulação da Anbima sobre distribuição e suitability já teriam, sozinhas, poder para induzir posicionamentos que certamente seriam seguidos pelo Banco Meão. Mas não vejo isso intercorrer. Isso ficou muito evidente nos debates e reportagens sobre a Instrução CVM 179 — que obrigou a transparência das taxas de assessores e distribuidores —, mas cuja emprego ficou restrita aos ativos sob responsabilidade da CVM, sem afetar produtos bancários, apesar dos alertas constantes do mercado.

Já existe material que poderia ser fartamente copiado — dentro do próprio contexto regulatório da CVM e da Anbima — e que ajudaria muito a evitar que casos porquê os COEs da Ambipar, Braskem, os fundos de renda fixa da Infinity e, a cereja do bolo, a gigantesca fileira de 1.600.000 investidores reivindicando R$ 41.000.000.000,00 no FGC posteriormente comprarem títulos do Banco Master, continuem se repetir. Fiz questão de redigir todos os zeros. Terrífico.

Não é à toa que, no dia seguinte ao pregão da liquidação do Banco Master, o aplicativo do FGC foi o mais baixado em celulares no Brasil. Sinal dos tempos.

Quanto ao maior desvelo com o que se oferece ao investidor, alguns ensinamentos da regulação e da autorregulação de fundos ajudariam bastante. Hoje, um gestor de fundos, para comprar um ativo de crédito privado ou de emissão bancária, precisa necessariamente ter um “roteiro” detalhado de todo o escrutínio e da documentação envolvidos na estudo e aprovação da compra. Isso inclui estudo jurídica, mercadológica e de precificação.

E não basta juntar farta estudo e documentação: é preciso definir limites por nível de risco, monitorar os ativos ao longo de sua vida e justificar sua manutenção. Tudo isso deve deixar indícios técnicos claros. Há ainda a figura do diretor de gestão e a de compliance e risco, porquê responsáveis e “provocados” nesse processo — e ambos respondem pessoalmente por falhas.

Dois pesos, duas medidas?

Agora, se o mercado precisa satisfazer tudo isso para vender um fundo ou um serviço de gestão de recursos, por que, de maneira análoga e adaptada, não deveria satisfazer governança semelhante e apresentar as mesmas evidências e processos para os produtos que distribui diretamente ao investidor?

Hoje, basta o cliente assinar um questionário de suitability que comporta, em diferentes percentuais, quase qualquer ativo, e dar um “OK” para as compras — mesmo sem ter condições de entender onde está alocando. E a vida segue. Esse é o veste. Todo o processo de distribuição está defasado.

O padrão das plataformas de investimento e dos assessores de investimento comissionados, empreendedores, se, por um lado, foi bom para variar produtos, por outro, ampliou conflitos de interesse.

Do lado das corretoras e bancos que disponibilizam produtos, é necessário substanciar a responsabilidade estatutária do diretor de distribuição e porquê ele registra, monitora e controla a aprovação de produtos na prateleira. Não se trata de assumir o papel do cliente na decisão, nem de prometer retorno positivo. Mas é preciso zelar pelo processo, com evidências. Sem dar garantias — mas com curadoria de verdade.

Hoje, trabalha-se basicamente para entregar ao investidor documentos, dados e termos que são verdadeiras “bulas de remédio”. Falta governança na prateleira da farmácia e no médico.

É fácil em todo o processo de suitability e distribuição transferir o risco da decisão para o investidor, mesmo ele não tendo condições de calcular itens fundamentais da diligência dos ativos ofertados.

Dois ativos de uma mesma categoria não têm saliência. Da mesma forma, títulos bancários. Por isso, no suitability atual, um CDB do Banco Master cabe na mesma categoria que um CDB de primeira traço; assim porquê um fundo de renda fixa da Infinity cabe na mesma categoria que o de uma grande lar tradicional.

Está tudo desbalanceado. O distribuidor tem pouca ou nenhuma obrigação de realizar um escrutínio intenso dos ativos. Basta estabelecer percentuais no suitability e, portanto, oferecer centenas de bancos de reputação duvidosa, fundos de gestoras de baixa idoneidade e COEs que são verdadeiras armadilhas — desde que tudo se juntura em qualquer percentual do suitability. E está feito: o cliente assinou dizendo que entende.

Os números do incidente do Banco Master mostram, de forma evidente, que o processo é falho. Tenho 1.600.000 de argumentos nesse sentido. É difícil imaginar que, no Brasil — país de baixa poupança —, haja milhões de investidores que compreendiam o risco Master.

E já parou para pensar quantos outros bilhões em CDBs de bancos de segunda ou terceira traço estão no portfólio de milhões de investidores, sem que eles tenham a menor noção ou oferecido para calcular esses bancos? Evidente que o investidor compra por indicação de quem o atende — ele não solicita nem conhece esses ativos espontaneamente.

O investidor deveria ser mais prudente, evidente. Mas ele certamente não pede esses ativos. Eles lhe são oferecidos. Por isso, espero que uma reforma radical no processo de suitability e na aprovação de produtos para distribuição seja a prioridade número um dos reguladores em 2026.

FGC = anabolizante de bancos duvidosos

Mas não basta isoladamente. É óbvio que também é necessário alinhar essas regras com os estímulos excessivos que o FGC cria nessa equação. Ele é um anabolizante de bancos duvidosos.

Nos últimos dias, posteriormente a quebra do Banco Master, vi nas redes sociais assessores e profissionais relevantes de corretoras defenderem que a alocação em bancos guiada exclusivamente pela “estratégia FGC” — dentro do limite de R$ 250 milénio por CPF — é alguma coisa a ser festejado. Que, apesar dos sustos, “fez sentido” no caso Master e “deu ótimo retorno” (sendo que os clientes nem foram pagos ainda…). E a oferta de CDBs de bancos desconhecidos segue nos aplicativos das corretoras, quase porquê um “ranking” das maiores taxas dentro do FGC.

Primeiro escolhe-se o CDB, COE ou fundo de terceira traço. Depois pensa-se no suitability. Não o contrário. Se o aplicativo bloquear o ativo por perfil incompatível, basta refazer o questionário — e pronto.

Talvez uma boa teoria seja exigir que o investidor espere 24 horas (ou mais) para modificar seu perfil. Assim, teria tempo de refletir se realmente deveria comprar um ativo que, até portanto, não era adequado ao seu perfil.

Quanto ao FGC, acredito que as revisões devem considerar não unicamente as decisões técnicas de separação da conta e do risco entre os bancos — material do Banco Meão e da Febraban —, mas também restrições que reduzam conflitos de interesse da distribuição e decisões equivocadas dos investidores.

Uma medida interessante seria diferenciar CDBs cobertos pelo FGC: eles não deveriam poder ser vendidos no mercado secundário — deveriam ser carregados até o vencimento. Motivo simples: no caso Master, investidores com saldos supra de R$ 250 milénio — diante de meses de notícias negativas — tiveram tempo de sobra para “repassar” a secção excedente a parentes e pessoas próximas. Uma verdadeira “ventre de aluguel”. Isso ampliou o prejuízo do FGC. Carregar até o vencimento faria o investidor pensar melhor antes de comprar.

Outra medida saudável seria regular porquê se recebe a taxa de distribuição. Corretoras hoje cobram um “spread” quando vendem um CDB — quanto maior o prazo, maior o lucro, pago na hora da compra. Isso deveria mudar para uma remuneração por contrato de distribuição, paga ao longo da vida do ativo. Se um CDB tiver dez anos, o distribuidor deveria receber mês a mês. Isso reduziria o incentivo de repuxar títulos absurdamente longos.

E, se ao longo do contrato houver calote, o distribuidor deveria restituir ao investidor a remuneração já recebida, indenizando-o pelo insucesso do investimento.

Essas medidas restringem prazos e entrada a recursos por instituições menores? Sim. Mas, hoje, o padrão iguala o risco de bancos de primeira traço ao de bancos frágeis para investidores de menor porte — o que inevitavelmente gera distorções e arbitragens porquê a do Master.

Outra medida deveria ser imitar o que foi feito nos Estados Unidos, posteriormente a crise subprime em 2008, sobre as remunerações dos profissionais. De certa forma, resultados excepcionais deveriam ser objeto de retenção e pagamento de longo prazo, lock-ups e pagamento em ações, e não em comissões à vista, porquê foi imposto para executivos de Wall Street à era para mitigar os conflitos e alinhar mais interesses e prazos.

Ou seja: o risco zero do FGC, somado às arbitragens possíveis no suitability e a um envolvente ofensivo e predatório de distribuidores e assessores de investimento, aumenta o risco do sistema bancário e do mercado de capitais. Nesse envolvente, é difícil não imaginar mais “Bancos Master” no porvir. Pode mudar o roteiro, mas o cenário está oferecido.

A serra dos estímulos perversos do mercado de distribuição e do FGC vai parir novos ratos.

Vivemos resultados medíocres de atitudes e ideias grandiosas — porquê o chegada do FGC, do suitability e da democratização dos investimentos —, mas que clamam por urgente aprimoramento.

José Brazuna é sócio da Iaas!

O e-mail do José Brazuna é: jbrazuna@iaasbr.com

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JoseBrazunaColuna — Foto: arte/valor

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