'Class actions' brasileiras: o pânico delas é justo?
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Em 29 de outubro, a Câmara dos Deputados aprovou o PL 3.899-A, de 2012, criando uma ação coletiva de responsabilidade contra os administradores de companhias abertas e controladores, no caso de divulgação de informações incorretas. O padrão é inspirado nas “class actions” americanas, com o sistema de opt-out, em que todos os acionistas da mesma classe serão beneficiados pela decisão decorrente da ação, a menos que optem por não sê-lo.
Se a iniciativa passar pelo Senado e pela sanção presidencial, é evidente que representa um importantíssimo progressão perante o sistema atual em que a proteção fica sujeita a ação da CVM ou do MP – na tutela pública – ou à ação de responsabilidade contra os administradores de companhias ou à ações contra os controladores – cujos benefícios não chegam aos investidores diretamente, mas à companhia.
Lapso relevante, me parece, é a proibição quase absoluta de se colocar as próprias companhias uma vez que rés. Isso, em alguns casos, poderia ser muito útil, uma vez que quando a companhia não sofreu danos, mas sofreram somente os acionistas diretamente. Porquê, por exemplo, por divulgação de informação que levou o mercado a miragem, valorizando as ações da companhia, sem prejudicar ela própria. A única exceção ocasião para a proibição de figurarem as companhias uma vez que rés é quando elas fazem ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários ou para adquiri-los. Me parece uma hipótese um pouco limitada e míope.
Porquê se sabe, o patrimônio dos administradores em universal não pode fazer face ao tamanho das indenizações devidas. E nem sempre é fácil atrelar os controladores aos danos. O argumento de dupla punição às sociedades e do incitação a um sistema litigioso exacerbado, a beneficiar somente os advogados ou litigantes de má fé, sendo, portanto, destrutivo do mercado, me parece exagerado, lembrando sempre que as companhias poderiam trenar recta de revinda contra os administradores e/ou controladores pela reparação que tiveram que remunerar aos acionistas.
Com as proteções adequadas (que fogem a leste breve texto), creio que a permissão de ação direta contra a companhia estimularia ainda mais a pujança do mercado de capitais. Vale lembrar, neste ponto em específico e para referir um caso no nosso quintal, que o Novo Mercado, mais duro e restrito com as companhias, foi justamente o que possibilitou o reflorescimento do mercado de capitais brasílico frente a um envolvente de subtracção progressiva de sua valor, em que cada vez mais caia o número de companhias abertas ao termo dos anos 90. O remédio, que parecia amargo, foi o salvador do mercado. Por que pensamos nós, que com mais proteção aos minoritários, iremos prejudicar o mercado? Sou de opinião contrária.
O Senado e sanções presidenciais podem ainda apresentar novidades que modifiquem o projeto. Ele, nas suas feições atuais, me faz crer que benefícios muito importantes existem na iniciativa, mas são moderados perto do que poderiam ser.
Lembremos ainda da assimetria de proteção que o sistema continua a gerar, uma vez que os investidores em ADRs, sejam brasileiros ou estrangeiros, fruem do favor das “class actions” americanas, enquanto os investidores nas ações brasileiras de uma mesma companhia não podem se valer deste favor.
Saindo um pouco do mercado de capitais, o que eu proponho provocar cá é a carência universal no país de um sistema de ação coletiva em que os prejudicados diretamente pelos atos ilegais perpretados por grandes companhias possam se tutelar. Vindo a prosperar o PL 3.899 uma vez que está, será criada pela primeira vez a ação coletiva movida pelas vítimas diretamente, mas é um passo ainda pequeno.
Pensemos em outras áreas, sejam elas ligadas ao meio envolvente, ao chegada a medicamentos ou até mesmo a preconceitos sofridos por determinado grupo. Hoje, por exemplo, na superfície ambiental, os diretamente prejudicados não podem agir diretamente, dependem do Ministério Público ou de associações, muitas com duvidosa legitimidade ou com restrições à sua atuação para se proteger.
Por que os diretamente prejudicados não podem agir diretamente em seu favor, propondo eles mesmos as ações coletivas, também no sistema de opt-out? Hoje dependem da atuação do Ministério Público ou das ditas associações. Tomando-se exclusivamente o Ministério Púbico, é óbvio que ele não dispõe de recursos ou ferramental para embater-se com companhias de porte enorme para a resguardo, por exemplo, de desastres ambientais, tais quais Mariana, quando comparados aos grandes conglomerados.
Não faço cá pensamento de valor quanto ao caso em si. Mas é óbvio que uma mineradora de porte mundial tem muito mais capacidade de gastar fundos para movimentar os melhores peritos e especialistas e um grande grupo de operadores do recta de ponta do que o Ministério Público. Isso em si já traz uma grande assimetria de resguardo. Vamos lembrar que foi neste país que estabeleceram suas relações jurídicas levando em conta o recta pátrio e uma vez que cá ele é julgado. Parece faltar somente o ferramental para que as matérias sejam cá decididas.
O resultado dessa assimetria de forças das vítimas tem sido a transferência para a Europa de litígios ambientais de grande porte, onde, via ações coletivas, tem-se buscado a reparação por questões que lá não se veem uma vez que adequadamente reparadas no país de origem (caso de Mariana, entre outros, tais quais Braskem). Usa-se a lei procedimental sítio (do país europeu), mas o recta do país de origem do sinistro é o aplicado.
Por que, logo, o empresariado teme a instalação de um sistema de ação coletiva no Brasil, onde, se muito aplicadas as normas, iria se evitar o julgamento no estrangeiro? Entendo que muitas companhias se veem protegidas deste pânico porque não têm ativos fáceis de serem objeto de realização no exterior para satisfação da sentença condenatória. Por outro lado, há muitas multinacionais brasileiras ou estrangeiras sujeitas a esta prenúncio.
Pergunta crucial: onde preferem ser julgadas as companhias? Cá, em envolvente familiar e ao qual estão acostumadas, ou na Holanda ou Inglaterra, onde estão na frente a um mundo judicial muito mais hostil e difícil de velejar para elas do que no Brasil onde desenharam suas operações locais, baseadas na lei sítio e nos riscos locais?
Por que tanto temor? O critério para reparação na Europa é justamente a percepção, pelas cortes europeias e de combinação com o recta material brasílico, que o dano não foi adequadamente reparado. Por que, logo, não se admite no país uma ação coletiva adequada e movida pelos próprios interessados e fomentada por fundos de litígios, com ferramental e meios financeiros para se ter os melhores peritos e especialistas, em que se buscaria – e quiçá se obteria – uma indenização justa?
Se a indenização for vista uma vez que justa pelas cortes europeias – sendo o justo o que está de combinação com o recta brasílico – acabou na prática a jurisdição europeia. Isso para não expressar sobre o risco de anulação das quitações obtidas no Brasil, que acaba de se materializar na recente decisão, de 13 de novembro, em Londres – ainda sujeita a recurso – no caso de Mariana. Ou prefere o empresariado conviver também com o risco de anulação das quitações?
Apresentado o quadro supra, me parece um tiro no próprio pé a resistência à implementação da ação coletiva contra a companhia no mercado de capitais brasílico e, mais amplamente, para outras matérias de interesse coletivo.
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