O que tem salvado o investidor brasílico?
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O brasílico aprendeu nas últimas duas décadas, a duras penas, que não precisa investir só no seu banco tradicional, e que existem outras aplicações financeiras além da poupança.
É verdade que ainda são muitos os que investem na caderneta — o saldo de R$ 1 trilhão nesse péssimo investimento não me deixa mentir (embora a turma do crédito imobiliário já considere essa zero pequena) —, mas o progresso das fintechs e os breves momentos de juros reais mais baixos levaram o brasílico a desbravar novas classes de ativos nos últimos anos.
São mais de 3,9 milhões que investem em ações, 2,8 milhões em fundos imobiliários, 2,7 milhões no Tesouro Direto, 1 milhão em BDRs e algumas centenas de milhares em papéis de crédito privado, uma vez que debêntures, CRIs e CRAs.
Os dados de fundos de investimento não permitem que se faça a conta por CPF, mas são ao menos 8,5 milhões de contas que investem em fundos de renda fixa, 2,4 milhões em multimercados e mais 1,1 milhão em fundos de ações.
Apesar desse progresso quantitativo de chegada a novos produtos e classes de ativos, há uma série de obstáculos que impedem que o investidor lugar tenha uma abordagem ótima e eficiente para montagem da sua carteira de investimentos.
De início, já vale um préstimo para os que não são herdeiros e conseguiram entrar na categoria de investidor, em um país com tanta desigualdade de oportunidade e de renda. Parabéns também para os que conseguiram se organizar financeiramente para poupar e reunir patrimônio financeiro, já que nem todos que possuem uma boa renda conseguem resistir às tentações da sociedade de consumo e, mais recentemente, das apostas.
Esse seleto grupo portanto juntou verba, aprendeu que precisa variar, mas ainda está perdido tentando entender melhor a sopa de letrinhas dos investimentos, qual o papel de cada agente no mercado, uma vez que montar sua carteira para o longo prazo, em quem devem responsabilizar para tomar suas decisões, e uma vez que escoltar o resultado de suas escolhas de uma maneira organizada, sem pular de galho em galho o tempo todo.
Talvez não seja um pouco individual do Brasil, mas a veras é que os nomes dos produtos financeiros são difíceis, cheios de siglas que parecem aleatórias e nem sempre têm relação com o seu teor. Outrossim, as regras de emprego, resgate e tributação são diferentes e complexas — e nem sempre fazem sentido lógico, o que dificulta que se faça analogias e associações.
Se os problemas acabassem aí, já seriam obstáculos suficientes na vida do investidor. Mas há outros.
Os incentivos de quem vende o serviço de assessoria financeira, uma vez que comissões diferentes por tipo de resultado, são um substância a mais para potencialmente distanciar a alocação da carteira desse investidor daquela que seria a melhor para o seu perfil, caso não houvesse esse incitação para o vendedor oferecer mais o resultado A, em vez do resultado B. Para ilustrar o caso, recentemente uma amiga me pediu conselhos financeiros e, quando me mostrou seu portfólio, zero menos que 50% da carteira estava aplicada em COEs — 50%! Sem demonizar o resultado, duvido que qualquer consultor de investimentos sugira esse tipo de alocação.
E, uma vez que se sabe, quando o cliente investe em um pouco que não entendeu muito muito e quer trespassar antes do vencimento, o mesmo banco e corretora que vendeu o resultado impõe um “penalty” para fazer o obséquio de dar liquidez esse cliente — e ganha novamente na saída.
Saindo da zona do conflito de interesses, a lista de obstáculos também conta com uma assimetria regulatória que distorce a percepção de risco dos investidores, e também leva a uma alocação distante da que seria ideal. Estou falando da difícil de entender e explicar “marcação a mercado”.
Na teoria, ter mais transparência sobre o valor real dos seus investimentos seria um pouco positivo para o investidor.
Mas a verdade nem sempre agrada. Pior ainda quando secção dos produtos financeiros está sujeita a essa transparência, e outra secção, notadamente os títulos bancários, não. Portanto, o investidor tem preposto o conforto de não saber quanto valem seus CDBs prefixados a cada dia do que ver seu título público oscilar o tempo todo no Tesouro Direto. Resultado? Ele reduz a alocação em papéis com liquidez e plebeu risco de crédito, dos quais devedor é o governo, e enche a carteira de papéis de bancos pequenos sem liquidez e de maior risco de crédito.
Para aumentar o cenário, o governo distribui incentivos fiscais por resultado — PGBL, VGBL, FII, LCI, LCA, CRI, CRA, debênture etc —, e não por comportamento do investidor em relação aos seus investimentos. Esse tipo de protótipo também distorce as alocações. Num exemplo, se o pequeno investidor concentra seu investimento em renda variável numa única ação, um pouco bastante desaconselhável, ele tem isenção se vender até R$ 20 milénio por mês. Já se investe num fundo de ações — tradicional ou ETF — paga 15% de IR sobre o lucro, independentemente do valor ou do prazo. A quem se quer ajudar com isso?
Por término, mas não menos importante, o Brasil segue teimando em desafiar a própria teoria econômica. Por cá, mesmo no longo prazo, nosso principal índice de ações não supera o retorno da taxa Selic. Portanto, quem segue a silabário e diversifica a carteira em diferentes classes de ativos exclusivamente seguindo o Ibovespa, não colhe os resultados superiores que os livros ensinam que viriam ao se assumir mais riscos.
A única coisa que tem salvado o investidor é o renda real saliente, que garante bons retornos apesar de todos esses ventos contrários. Mas ele não será eterno.
Fernando Torres é editor-executivo do Valor
E-mail fernando.torres@valor.com.br
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