Os riscos do populismo regulatório
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Em menos de três meses, Donald Trump abalou as estruturas de governo dos Estados Unidos a partir de duas premissas básicas: o Estado regula exageradamente a atividade econômica e desperdiça recursos. A solução proposta para o primeiro problema é desregulamentar a economia. Já para o segundo problema, propõe-se comandar o Estado uma vez que se fosse uma empresa privada.
Do ponto de vista político, o exposição nasce vitorioso. Todo mundo gostaria de viver com mais liberdade, sem ter que observar regras que muitas vezes parecem desnecessárias ou injustas. E quem duvida de que o Estado desperdiça recursos e não cumpre seu papel? E para completar, o Estado é um ótimo cabrão expiatório, despersonalizado e ignoto, para receber a culpa por nossos próprios fracassos.
Os mais velhos sabem que quase todas as normas que constrangem a liberdade da atividade econômica em democracias liberais são fruto de crises. Acontece que nossa memória é curta – até para conseguirmos seguir em frente. Surgem novas tecnologias e produtos, e não percebemos que podem motivar o mesmo dano que outros nos causaram no pretérito.
Uma vez que as normas de restrição da liberdade na atividade econômica são necessariamente impopulares, elas funcionam uma vez que uma espécie de Ancião do Templo, um liso, a lembrar que coisas parecidas já deram falso no pretérito, e que a ganância continua lá, a mesma de sempre. Um imigo perfeito para um populista, convenhamos.
Foi nessa toada que, na semana passada, alguns reguladores americanos permitiram que os bancos atuem com maior liberdade na detenção de criptomoedas e na prestação de serviços a elas relativos. Em um caso foi revogada a premência de prévia aprovação pelo regulador e em outro foi informado não seriam mais solicitadas informações sobre aqueles ativos e atividades.
A fanfarronada, entretanto, fica para os políticos. Não existe burocracia libertária, é uma incongruência em termos. A linguagem das normas editadas deixa clara preocupação com o porvir – no caso, o seu próprio porvir. A cada revogação de restrição segue-se o tradicional alerta de que os regulados devem atuar com cautela e critério. Se der falso, não coloquem a culpa em mim, mas no agente privado que fizer mau uso da liberdade.
Essa asserção reiterada diz muito quanto aos incentivos de quem está no poder. Restringir a atividade econômica culpa incômodo a quem o faz. Tem dispêndio político e de imagem. Conceder liberdade, ao contrário, é recebido com aplausos, seja por quem vai dela se beneficiar, seja por quem vai dela exorbitar. Quando uma crise vier, e perdas ocorrerem, o ônus de regular será do próximo governo.
A mesma lógica perversa se aplica quanto à outra premissa do governo Trump. Em qualquer estrutura pública ou empresa privada há desperdício. A alocação de recursos humanos e financeiros nunca é perfeita. Mas há casos em que a ineficiência é tão grande que trinchar despesas fortemente e de maneira praticamente linear é um passo necessário em um processo de recuperação mais profunda.
Acontece que no setor privado os gestores são financeiramente incentivados a obter eficiência, enquanto no setor público essa recompensa, baseada no alcance de metas de resultado, raramente é admitida. O que interessa são os resultados políticos das ações. Não surpreende, por isso, que a redução de custos nos Estados Unidos esteja fundada em bases ideológicas, o que não aconteceria em uma empresa.
Reconhecer que há muito espaço para melhoria no setor público, tanto na regulação por vezes excessiva quanto na falta de eficiência, não significa demonizar as suas atividades a partir de critérios que não estejam baseados em dados.
Donald Trump corre o risco de legar um Estado desarrumado e tão contaminado ideologicamente quanto aquele que diz combater, e alguma crise causada pela desregulamentação irrefletida da atividade econômica.
Caso isso ocorra, ao invés de progredir para uma regulação moderada, suficiente para proteger o interesse da coletividade, sem tolher ou onerar a iniciativa privada além do necessário, e com intenso uso da tecnologia para reduzir o dispêndio de observância das normas e permitir sanções intensas e céleres em caso de fraude, corremos o risco de pactuar com danos à poupança popular e uma novidade regulação pesada e restritiva.
Para o poder político isso fará pouca diferença. No Brasil, especificamente, ao invés de recompensar a eficiência estatal, muitas vezes punimos quem a procura. Os partidos não vivem do resultado de suas ações no poder, mas dos fundos eleitoral e partidário, e do controle do orçamento. Basta estar em um dos polos para sobreviver. Quem se importa com tudo isso? Provavelmente só os verdadeiros liberais. Quem perde? O país.
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