×

Data Vênia para divergências

Data Vênia para divergências

Data Vênia para divergências

Data Vênia para divergências

A temporada de assembleias de 2025 encerrada há poucos dias foi marcada por uma série de sinais sonoros. Nem todos afinados. Ao contrário do que muitos esperavam, o palco das reuniões anuais não foi ocupado exclusivamente por consensos elegantes. Houve candidaturas alternativas. Houve votos contrários. E houve incômodo.

Boa segmento desse desconforto se concentrou em torno de conselheiros indicados por acionistas fora de grupos de controle. Não por contingência, esses nomes foram tratados uma vez que figuras exógenas, mal preparadas ou, ainda, oportunistas. A sátira é legítima quando há de vestimenta má-fé, ou quando ocorre fora de limites legais e normativos, mas perigosa quando transforma a exceção em regra.

As propostas de nomes indicados pela gestão das empresas foram, uma vez que de hábito, majoritariamente vitoriosas. Mas também ficou simples que não reinam sozinhas. As estruturas de poder societário, nem sempre desafiadas, começam gradativamente a testar as pressões típicas de uma democracia acionária mais ativa. E há muita formosura nisso.

Críticas também não foram poupadas ao uso do voto múltiplo e do voto em separado, instrumentos de freios e contrapesos da nossa Lei societária que existem justamente para prometer representação proporcional de acionistas, principalmente minoritários, nos colegiados. São ferramentas sofisticadas, não uma distorção.

Práticas semelhantes uma vez que o cumulative voting, nos Estados Unidos, não são novidade para investidores institucionais. A dificuldade por cá está mais no prazo exíguo entre convocação e votação, que afeta principalmente estrangeiros, nos sistemas operacionais pouco desenvolvidos para conquista de votos e na resistência cultural a admitir o dissenso uma vez que segmento da governança. Assembleias disputadas exclusivamente tornam mais visíveis esses atritos, que já estavam presentes.

Nesse contexto, tutelar que companhias tenham escrutínio prévio sobre nomes indicados por investidores seria um assombro democrático. Mal comparando, seria uma vez que tutelar o retorno do voto indireto e dos colégios eleitorais. É anacrônico, no mínimo.

Os proxy advisors também não foram poupados das críticas. Mas é preciso perspectiva. Nenhum investidor institucional é obrigado a seguir suas recomendações. Elas são conselhos, não comandos. Seu papel se assemelha ao de um consigliere: orientam, alertam, ponderam riscos. A decisão, porém, continua sendo de quem vota. E para quem precisa participar de dezenas, às vezes centenas, de assembleias simultâneas ao volta do mundo, descrever com esse base técnico é um pouco necessário.

Comentários depreciativos ao chamado “mercado de conselheiros profissionais” também merecem um olhar mais solícito. Tratar essas pessoas uma vez que aventureiros movidos exclusivamente por desejo financeira é ignorar a qualidade técnica e a experiência que muitos carregam. O Brasil possui hoje um transitivo crescente de profissionais que se dedicam exclusivamente à função de mentor, com formação robusta, visão estratégica e compromisso ético. Reduzi-los a caricaturas é perder a oportunidade de melhorar os conselhos por dentro.

Outrossim, quando se trata de representação de minoritários, estamos falando em reduzir custos de monitoramento da governança, alinhar interesses difusos e dar voz qualificada a acionistas que, de outro modo, ficariam à margem das decisões. É bom para o sistema. É bom para a companhia. O que se precisa é substanciar a cultura de independência, e isso vale para todos os conselheiros, pouco importando a origem de sua indicação.

O problema não é possuir disputa. O problema é quando ela ocorre sem preparo. Porquê apontou Marcelo Trindade em recente poste cá no Valor Investe, um dos principais aprendizados deste ano é a influência de antecipar o processo – tanto pelas companhias quanto pelos investidores. Empresas que evitam rodadas de escuta ativa e acionistas que deixam para pronunciar seus nomes às vésperas da plenário acabam improvisando em terreno que exige método. Stewardship exige tempo e critério. Não se faz de última hora.

No termo, o que está em jogo é uma disputa de modelos. A proposta da gestão deve ser respeitada. Mas não pode ser tomada uma vez que peça sacra. A sátira qualificada não enfraquece a companhia. Ao contrário: reforça o seu compromisso com, sublinhe-se, todos os acionistas.

A democracia societária brasileira está longe de ser perfeita, mas está em movimento. Que ela avance. Que erre menos. E que tenha, supra de tudo, espaço para uma multiplicidade de votos, inclusive os que incomodam e os que nos provocam reflexão.

Fábio Coelho é presidente-executivo da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec)

imagemcolunistafabiocoelho Data Vênia para divergências
Fábio Coelho — Foto: Fábio Coelho

source

Publicar comentário