A política monetária com metas contínuas e a emboscada da informação
Uma vez que expliquei em “Quais são os limites da política monetária no Brasil” e em “O Projecto Real sobreviveria sem o sistema de metas para a inflação?”, na governança do sistema de metas de inflação, o Juízo Monetário Pátrio (CNM) determina as regras e o Banco Médio, que é o órgão responsável por operar o sistema de metas, tem autonomia para usar ferramentas para o controle da inflação.
Recentemente, o CMN e o Governo Federalista introduziram um novo critério para determinar o cumprimento da política monetária. Se no padrão anterior, o Banco Médio dispunha de um horizonte fixo de um ano para a avaliação de sua performance, com a novidade proposta, a avaliação torna-se contínua, da seguinte maneira: sempre que a inflação se desviar do pausa de tolerância por seis meses consecutivos, seja supra ou aquém da meta, o Banco Médio será obrigado a prestar contas publicamente por meio a uma missiva oportunidade ao ministro da rancho e presidente do CMN.
Isto significa que, por exemplo, caso o primeiro descumprimento seja identificado em junho de 2025, a justificativa dada pelo Banco Médio ao Ministro da Quinta poderá ser somente a primeira de uma série. Ou seja, esse evento poderá resultar em uma emboscada de comunicações mensais frequentes. Isso na suposição de que a inflação demore para retornar a meta.
Mas será que o Banco Médio realmente estará sujeito a essa emboscada de informação com as metas contínuas?
Conforme mencionado previamente, o Decreto nº 12.079/2024 em seu item 6º estabelece que, sempre que a meta for descumprida, o Banco Médio deve se justificar. Nessa missiva pública, o Bacen deve explicar ao Ministro da Quinta: (i) as causas do descumprimento; (ii) as medidas necessárias para virar a situação – e até cá, nenhuma novidade; e (iii) o prazo estimado para que as ações adotadas surtam efeito. É exatamente no terceiro ponto que mora o transe, pois esse prazo é binding (vinculante):
O prazo, definido na missiva pelo próprio Banco Médio, vinculará quando uma novidade missiva será necessária. E o Banco Médio só terá a obrigação de se justificar novamente se a inflação não retornar ao pausa estabelecido dentro do prazo estipulado na primeira.
Para um exemplo simples, imagine a situação de um aluno que falta uma prova e que para ter recta a uma segunda chamada precisa atender duas exigências: justificar a falta e manifestar quando deseja fazer a segunda chamada. Sim, é isso, o aluno em questão é o próprio responsável por agendar a data da segunda chamada.
Em teoria, o novo mecanismo de metas contínuas representa uma melhoria evidente, pois desvincula o sucesso da política monetária do ano calendário. No entanto, a vinculação das cartas abertas do BCB, conforme estabelecido no §1º do item 6º do referido Decreto, introduziu um conflito de interesses que antes não existia.
O conflito de interesses se manifesta por meio de incentivos que podem levar o Banco Médio a estabelecer, já na primeira missiva, prazos mais longos e conservadores para a convergência da inflação ao pausa da meta. Mitigando o risco de exposição política e midiática frequente. No entanto, essa estratégia pode comprometer a eficiência da sinalização da política monetária e, potencialmente, enfraquecer a ancoragem das expectativas do mercado.
Em resumo, a mudança na regra colocou o Banco Médio em um dilema no caso do primeiro descumprimento: ou assume projeções mais realistas – correndo o risco de exposição por comunicações repetidas que podem desgastar sua credibilidade; ou adota um horizonte mais espaçoso na primeira informação, minimizando a urgência de novas cartas, mas com o dispêndio potencial de afetar a percepção do seu compromisso com a meta de inflação.
O indumento é que a mudança altera significativamente a dinâmica da política monetária, que antes seguia um ciclo fixo de avaliação anual. Agora, a informação pode se tornar uma emboscada, tornando-se mais volátil e menos previsível, além de dificultar a estudo histórica da inflação e a eficiência das medidas adotadas.
A grande questão agora é uma vez que o Banco Médio administrará esse novo padrão de prestações de contas. Enfim, se a inflação permanecer elevada por um longo período, tanto o envio sucessivo de cartas quanto a formalidade de um prazo muito longo para o cumprimento das medidas podem rematar minando a credibilidade da poder monetária, gerando, assim, um novo tipo de incerteza no mercado.
O novo regime de metas contínuas pode – ironicamente – testar os próprios limites do sistema de metas de inflação e da informação monetária no Brasil. Agradeço os insights e debates com Julia de Moraes e Helder de Mendonça para ortografar esse item.
** Professor e Pesquisador do Coppead, profissional em Banking, com artigos publicados em diversos periódicos internacionais. Atua no Banco Médio do Brasil na extensão de firmeza financeira, com experiência em regulação e supervisão bancária. *
* A opinião do responsável e não representa necessariamente a do Banco Médio do Brasil
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