As linhas de resguardo que restam para o seu quantia
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A vida não está fácil para o brasiliano mexendo com o seu quantia. Se a tecnologia facilitou o entrada a crédito e a alternativas de investimento — e isso é uma ótima notícia —, ela ao mesmo tempo também permite que se tome decisões ruins “sem intermediários”. Em alguns casos, ainda há o que os reguladores possam fazer. Em outros, a última risca de resguardo é a ensino financeira e o base de agentes isentos para trazer luz para os riscos.
Começando pelo primeiro tipo de problema, trago o exemplo da surpresa que muitos tiveram na semana passada, quando o Banco Medial divulgou as estatísticas de crédito e taxa de juros de abril e vimos que a taxa do consignado para os trabalhadores do setor privado aumentou depois o lançamento do novo programa para o segmento. A taxa média saiu de 3,08% em março para 3,94% ao mês em abril.
Porquê se sabe, a tese do programa é a de que haverá redução dos juros cobrados, oferecido que ao mesmo tempo haverá mais facilidade tecnológica para o desconto em folha e redução do risco de inadimplência — tanto pela automação de cobrança quanto pela garantia do FGTS.
Simples que não é verosímil determinar o resultado do programa com base nos dados de somente um mês. Mas o aumento da taxa nesse primeiro momento contrariou as expectativas.
E trago cá uma hipótese para explicar o fenômeno. Lá no início de abril, quando foi verosímil fazer as simulações do novo consignado pelo aplicativo do FGTS, fiz um teste dizendo que queria um empréstimo de R$ 10 milénio para remunerar em 24 parcelas. O app me disse que a taxa de referência para a operação era de 3,04% ao mês, o que resultaria num valor totalidade a ser pago de R$ 14.232,48.
Poucas horas depois, começaram a romper as ofertas de diversos bancos e financeiras para realizar a operação. Recebi ao todo cinco ofertas, sendo que a Caixa Econômica Federalista tinha a taxa mais barata, com juros de 2,59% ao mês, e seguiuà risca o meu pedido: um empréstimo de R$ 10 milénio a ser pago em 24 meses.
Mas nem todas as ofertas tiveram esse padrão. Dois agentes ofereceram prazo de somente 12 meses para pagamento e valores menores do que os R$ 10 milénio pedidos, um de R$ 9,4 milénio e outro de R$ 2,8 milénio (já incluindo o IOF). E as taxas variando entre 3,62% e 4,5% ao mês, o que já era supra da referência.
Mas o que chamou mais a minha atenção foi uma oferta de R$ 71.759 para pagamento em 30 meses e juros de 7,99% ao ano. Um valor mais de sete vezes maior do que eu havia pedido e taxas de juros no mesmo patamar de cheque privativo.
Os bancos insistiram para que não houvesse teto para a taxa de juros nessa modalidade, confiando na competição para reduzir o dispêndio. Para ajudar nisso, o aplicativo ordena as ofertas da mais barata para a mais rosto, em termos de taxa de juros cobrada. Ou seja, se a instituição tivesse oferecido os mesmos R$ 10 milénio solicitados, por uma taxa de 7,99% ao mês, nenhum trabalhador iria escolher essa operação.
Mas fiquei pensando o que pode fazer uma pessoa desesperada, precisando muito de quantia, diante de uma oferta desse tipo. Um trabalhador de baixa renda que pede R$ 1 milénio e vê um banco lhe ofertar R$ 7 milénio? Lembrei-me de quando eu trabalhei numa escritório bancária no início dos anos 2000 e via pessoas humildes sacando no caixa eletrônico todo o limite do cheque privativo já no dia do pagamento, estando “certas” de que aquele quantia era delas.
Será que dá para confiar que todos têm ensino financeira suficiente para mourejar com essa situação/tentação?
Que tipo de alerta poderia ter para desincentivar o superendividamento nesse caso? (Trazer um selo de “radioativo” ao lado da oferta?) Qual a responsabilidade dos bancos, via autorregulação, ou do Banco Medial, por meio de regulação, sobre isso?
Porquê dito no início, esse era o “problema fácil”, que pode ser tratado via regulação, ainda que uma das respostas possa ser associar elementos de ensino financeira durante o processo de contratação do empréstimo, que induzam a uma decisão mais consciente.
O segundo problema tem a ver com investimento, e levante está cada vez mais distante do alcance dos reguladores, no caso o Banco Medial e, principalmente, a Percentagem de Valores Mobiliários (CVM).
Porquê se sabe, nessa seara eles lançam mão de diversas regras, uma vez que capital mínimo, responsabilização individual de diretores estatutários, exigência de transparência sobre estrutura operacional de distribuidores, elaboração de prospectos, balanços auditados, cartas de conforto, isonomia de informações, entre tantas outras, para reduzir o nível de risco a que um investidor se sujeita ao colocar segmento da poupança em um determinado investimento.
No mês pretérito, o Valor Investe publicou em primeira mão dados apontando o problema da oferta irregular de investimento em derivativos conhecidos uma vez que “contratos por diferença” (CFDs, na {sigla} em inglês) e Forex, para portanto a própria CVM propalar vídeo de orientação sobre o tema, mas ao mesmo tempo reconhecer que está “enxugando gelo” quando emite ordens para suspender as ofertas dessas plataformas. O que ocorre é que, com a internacionalização das ofertas (já que as páginas são hospedadas fora do país), pagamentos com cartões e contas internacionais e também criptomoedas, o alcance da regulação é restringido.
A última risca de resguardo é a ensino financeira, que em grande segmento tem sido feita por influenciadores digitais da extensão. Muitos desses, porém, uma vez que se sabe, também carregam seus próprios conflitos de interesse.
Fernando Torres é editor-executivo do Valor
E-mail: fernando.torres@valor.com.br
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