Ensino financeira, as bets e o mercado financeiro
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A subida das apostas esportivas no Brasil tem sido tratada porquê um fenômeno recente, impulsionado pelas plataformas digitais, pela publicidade massiva no futebol e pela falta de ensino financeira. Mas, quando observada mais de perto, essa tendência revela um tanto mais profundo e mais estrutural: a transformação de nossa economia em um sistema voltado não para o desenvolvimento, mas para o jogo e para a procura do proveito inopino.
O que parece ser unicamente um novo hábito, às vezes não muito consciente, diz mais a saudação da forma porquê passamos a conceber o porvir e a própria possibilidade de saúde financeira. Em pessoal, em função das possibilidades geradas pelo funcionamento do mercado financeiro no Brasil.
O Brasil abriga um dos mercados financeiros mais sofisticados do mundo emergente. Desenvolvemos instrumentos complexos de hedge, estruturas de derivativos para volatilidades específicas e estratégias quantitativas capazes de transformar variações mínimas de preços em lucros relevantes.
No entanto, o impacto de toda essa engenhosidade sobre o desenvolvimento econômico tem sido restringido. A maior secção da intermediação financeira continua orientada para operações de curtíssimo prazo, movimentos especulativos e arbitragem de expectativas. O crédito de longo prazo, necessário para ampliar capacidade produtiva, variar a estrutura industrial e fomentar inovação, permanece restrito.
Em outras palavras, o sistema financeiro brasílico oferece inúmeras formas de “apostar no porvir”: na curva de juros, no câmbio, no humor do mercado extrínseco, no próximo transmitido do Banco Mediano. O horizonte é sempre inopino e a lógica dominante é aproveitar oscilações, não erigir trajetórias. Criamos um sistema que funciona de maneira eficiente para movimentar riqueza dentro dele, mas que pouco transborda para a economia real.
O fenômeno do day trade durante a pandemia é um sinal simples dessa dinâmica. Segundo pesquisa da FGV publicada no Valor Investe, quase 1 milhão de brasileiros perderam muro de R$ 9,9 bilhões realizando operações de compra e venda no mesmo dia. Não se tratava de investidores profissionais. Eram trabalhadores, sejam eles médicos, porteiros, motoristas, engenheiros, cabeleireiros. Pessoas que viram na aposta financeira a possibilidade de gratificar a escassez de segurança econômica. O day trade transformou a volatilidade do mercado em um espaço de esperança individual.
Mas o movimento não se restringe à demanda por apostas; ele se manifesta também na oferta de mão de obra. Segmento significativa dos profissionais de matemática, física, engenharia e estatística no Brasil encontra remuneração e prestígio não em desenvolver tecnologias industriais, energéticas ou biomédicas, mas em atuar no mercado financeiro.
Um temporário significativo de capital humano altamente qualificado dedica-se hoje à formulação de modelos que estimam microflutuações de mercado, buscando ganhos rápidos em janelas de segundos. Esse é um resultado perigoso e sinaliza uma valorização desproporcional para um setor que não contribui para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e colaborativa. Essa dinâmica não é um meandro anedótico. Ela corresponde ao diagnóstico clássico de Hyman Minsky, para quem algumas economias financeiramente avançadas tendem a afastar-se do financiamento do investimento produtivo e a se aproximar de estruturas orientadas unicamente pela especulação.
É nesse contexto que as bets esportivas ganham sentido. Elas são a democratização da lógica especulativa. Se o mercado financeiro oferece apostas complexas para iniciados, as plataformas esportivas oferecem apostas simples para qualquer pessoa com um celular. Ambas partem da mesma premissa: a teoria de que conhecimento, técnica ou leitura correta do momento podem transformar incerteza em proveito. A diferença está unicamente no objeto da aposta: a taxa de juros ou o número de escanteios.
Mas não devemos ser fatalistas. Porquê demonstro em meu item “What do we know about the relationship between banks and income inequality? Empirical evidence for emerging and low-income countries”, sistemas financeiros podem operar sob duas lógicas distintas. Em uma, reforçam desigualdades, concentrando o crédito e as oportunidades naqueles que já possuem recursos e capacidade de risco. Na outra, tornam-se instrumentos de cooperação social, financiando inclusão produtiva, investimento de longo prazo e mobilidade social.
A primeira lógica é a da aposta. A segunda é a da construção.
A economia da aposta promete ganhos imediatos, mas fragiliza o porvir coletivo. A economia da construção exige tempo, planejamento e coordenação institucional. Ela financia o que ainda não existe, mas que precisa viver para que um país se desenvolva. Nesse envolvente, a ensino financeira pode funcionar de forma efetiva. Mas, no primeiro caso, segue-se a lógica perversa que apontei em meu item: “O dilema da sagacidade: um risco ao sistema financeiro e à sociedade“.
O Brasil, hoje, está diante de uma escolha clara. Pode aprofundar sua vocação recente porquê país de apostas ou pode reconstruir uma economia orientada ao investimento e à ensino, principalmente levando-se em conta seu potencial de impacto global na questão climática.
A diferença entre esses dois caminhos é uma escolha e não uma aposta.
** Professor e Pesquisador do Coppead, perito em Banking, com artigos publicados em diversos periódicos internacionais. Atua no Banco Mediano do Brasil na dimensão de segurança financeira. Atualmente é fellow research na Universidade de Vaasa, na Finlândia. **
* A opinião do responsável e não representa necessariamente a do Banco Mediano do Brasil
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