O investidor pode não ser racional, mas é razoável

O conceito de racionalidade nas finanças é diferente daquele que usamos no dia a dia Há uma brincadeira antiga entre participantes do mercado financeiro na qual costumam apelidar o mês de agosto como “o mês do cachorro louco”. Ninguém sabe onde e quando começou. Mas a persistência com que os eventos negativos costumam ocorrer no mês deu origem ao apelido.
Em 2024 parece que o cachorro perambulou pelo mercado no segundo semestre, mas preferiu demarcar seu território em dezembro. A volatilidade dos preços dos ativos e o clima de quase histeria são a marca inquestionável de sua presença.
Se fosse fazer um apanhado daquilo que vai ficar na memória dos operadores e agentes do mercado, diria que a saída recorde de dólares, cerca de US$ 26 bilhões; as taxas do Tesouro Direto batendo quase 8% ao ano, no Tesouro IPCA, e 15% ao ano, nos pré-fixados; e a cotação do dólar atingindo R$ 6,30; são os fatos que ficarão registrados para a posteridade.
Desde meados do ano passado foi se cristalizando a percepção sobre a gravidade do quadro fiscal e da falta de compreensão da ala política do governo sobre o tema. Foi agravada pelos reiterados ataques à disciplina fiscal e à independência do Banco Central, que, a partir deste mês, tem novo presidente e maioria dos membros do Comitê de Política Monetária (Copom) indicados pelo atual mandatário da República.
Combustível suficiente para alimentar expectativas para lá de negativas.
Em meio a esse caldo, após atrasos e grande expectativa, foi anunciado um pacote fiscal que frustrou, e muito, as perspectivas do mercado. E que parece ter galvanizado a impressão de que a questão fiscal não seria uma prioridade, o que acabaria por avalizar as piores estimativas para a inflação. O pacote foi anunciado em 27 de novembro e foi, portanto, o gatilho para o dezembro do cachorro louco.
Em meio ao bangue-bangue que foi o mês de dezembro, li e ouvi muita gente escrevendo e falando que havia um surto de irracionalidade. Para se ter uma ideia de como a situação deteriorou, o próprio presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney, declarou ao Valor: “Estamos no terreno movediço de irracionalidade dos ativos financeiros”. Era realmente o clima do momento.
Essa discussão sobre racionalidade é recorrente quando o assunto é preços dos ativos financeiros. Ela faz parte de um embate antigo entre as finanças tradicionais e a de viés comportamental.
Quando se atribui as disfuncionalidades de preços à irracionalidade, ou a falta de racionalidade das pessoas, o que está implícito é que elas estão tomando decisões em desacordo com algum modelo financeiro para precificação dos ativos.
De forma ampla, tais modelos levam em consideração que os preços dos ativos são o resultado dos fluxos de caixa previstos descontados por uma determinada taxa de juros, que deve embutir alguma estimativa do nível e risco, que está diretamente associado ao grau de incerteza da economia, setores e empresas afins.
O modelo mais famoso é o CAPM (Capital Asset Pricing Model) e suas derivações, gestado ainda na década de 60, que é amplamente utilizado para encontrar o valor justo dos ativos e, por extensão, seus preços.
Dizer que os investidores, pelo menos os não profissionais, estão sendo irracionais é o mesmo que dizer que eles estão negociando a preços descolados daqueles indicados pelos modelos. Mas os clientes conhecem estes modelos? Sabem lidar com eles?
Me parece que, com exceção dos profissionais, a resposta é obviamente que não.
Por esta ótica, me parece incorreto, ou uma maldade, dizer que eles, os investidores, sejam irracionais. Garanto que, se for perguntado a qualquer um deles se prefere receber um pix de R$ 50 ou de R$ 100, nenhum terá dúvidas em escolher o segundo.
Os investidores podem não estar sendo racionais pela ótica das finanças tradicionais, mas é bom não confundir racionalidade com razoabilidade.
Na sequência da onda de pessimismo disparada pelo anúncio tardio do pacote anêmico, veio uma enxurrada notícias, entrevistas e colunas muito negativas (eu mesmo devo ter escrito uma). Muitos investidores, e até profissionais de mercado, iniciaram movimentos de venda, forçando os preços para baixo.
Nessa quadra de incerteza e clima de “salve-se quem puder”, clientes ficam com medo e querem se livrar de alguns ativos. Mesmo os profissionais não querem amargar mais prejuízos e correr o risco de perder mais clientes em um ano que já não vinha bem. Parece bem razoável, portanto, que, diante do surto de incerteza e dos prejuízos que já vinham se acumulando até então, os investidores que estavam em ativos de risco tenham tentado se resguardar e vender seus ativos.
Em um grupo de animais, ao se ouvir sons ou sentir a terra vibrar, alguns começam a correr e, rapidamente, são acompanhados pela manada. Nenhum deles espera para perguntar o que está acontecendo. E isso é bem razoável.
O que aconteceu em dezembro com o dólar, por exemplo, pode não ter sido racional, mas com certeza foi razoável. A aversão a perda já vinha crescendo, e o pacote fiscal parece que acionou um turbo.
Ninguém quer ser o último a apagar a luz.
Hudson Bessa – Economista e sócio da HB Escola de Negócios
hudson@hbescoladenegocios.com
www.hbescoladenegocios.com
Hudson Bessa
Arte sobre foto/Divulgação
Em 2024 parece que o cachorro perambulou pelo mercado no segundo semestre, mas preferiu demarcar seu território em dezembro. A volatilidade dos preços dos ativos e o clima de quase histeria são a marca inquestionável de sua presença.
Se fosse fazer um apanhado daquilo que vai ficar na memória dos operadores e agentes do mercado, diria que a saída recorde de dólares, cerca de US$ 26 bilhões; as taxas do Tesouro Direto batendo quase 8% ao ano, no Tesouro IPCA, e 15% ao ano, nos pré-fixados; e a cotação do dólar atingindo R$ 6,30; são os fatos que ficarão registrados para a posteridade.
Desde meados do ano passado foi se cristalizando a percepção sobre a gravidade do quadro fiscal e da falta de compreensão da ala política do governo sobre o tema. Foi agravada pelos reiterados ataques à disciplina fiscal e à independência do Banco Central, que, a partir deste mês, tem novo presidente e maioria dos membros do Comitê de Política Monetária (Copom) indicados pelo atual mandatário da República.
Combustível suficiente para alimentar expectativas para lá de negativas.
Em meio a esse caldo, após atrasos e grande expectativa, foi anunciado um pacote fiscal que frustrou, e muito, as perspectivas do mercado. E que parece ter galvanizado a impressão de que a questão fiscal não seria uma prioridade, o que acabaria por avalizar as piores estimativas para a inflação. O pacote foi anunciado em 27 de novembro e foi, portanto, o gatilho para o dezembro do cachorro louco.
Em meio ao bangue-bangue que foi o mês de dezembro, li e ouvi muita gente escrevendo e falando que havia um surto de irracionalidade. Para se ter uma ideia de como a situação deteriorou, o próprio presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney, declarou ao Valor: “Estamos no terreno movediço de irracionalidade dos ativos financeiros”. Era realmente o clima do momento.
Essa discussão sobre racionalidade é recorrente quando o assunto é preços dos ativos financeiros. Ela faz parte de um embate antigo entre as finanças tradicionais e a de viés comportamental.
Quando se atribui as disfuncionalidades de preços à irracionalidade, ou a falta de racionalidade das pessoas, o que está implícito é que elas estão tomando decisões em desacordo com algum modelo financeiro para precificação dos ativos.
De forma ampla, tais modelos levam em consideração que os preços dos ativos são o resultado dos fluxos de caixa previstos descontados por uma determinada taxa de juros, que deve embutir alguma estimativa do nível e risco, que está diretamente associado ao grau de incerteza da economia, setores e empresas afins.
O modelo mais famoso é o CAPM (Capital Asset Pricing Model) e suas derivações, gestado ainda na década de 60, que é amplamente utilizado para encontrar o valor justo dos ativos e, por extensão, seus preços.
Dizer que os investidores, pelo menos os não profissionais, estão sendo irracionais é o mesmo que dizer que eles estão negociando a preços descolados daqueles indicados pelos modelos. Mas os clientes conhecem estes modelos? Sabem lidar com eles?
Me parece que, com exceção dos profissionais, a resposta é obviamente que não.
Por esta ótica, me parece incorreto, ou uma maldade, dizer que eles, os investidores, sejam irracionais. Garanto que, se for perguntado a qualquer um deles se prefere receber um pix de R$ 50 ou de R$ 100, nenhum terá dúvidas em escolher o segundo.
Os investidores podem não estar sendo racionais pela ótica das finanças tradicionais, mas é bom não confundir racionalidade com razoabilidade.
Na sequência da onda de pessimismo disparada pelo anúncio tardio do pacote anêmico, veio uma enxurrada notícias, entrevistas e colunas muito negativas (eu mesmo devo ter escrito uma). Muitos investidores, e até profissionais de mercado, iniciaram movimentos de venda, forçando os preços para baixo.
Nessa quadra de incerteza e clima de “salve-se quem puder”, clientes ficam com medo e querem se livrar de alguns ativos. Mesmo os profissionais não querem amargar mais prejuízos e correr o risco de perder mais clientes em um ano que já não vinha bem. Parece bem razoável, portanto, que, diante do surto de incerteza e dos prejuízos que já vinham se acumulando até então, os investidores que estavam em ativos de risco tenham tentado se resguardar e vender seus ativos.
Em um grupo de animais, ao se ouvir sons ou sentir a terra vibrar, alguns começam a correr e, rapidamente, são acompanhados pela manada. Nenhum deles espera para perguntar o que está acontecendo. E isso é bem razoável.
O que aconteceu em dezembro com o dólar, por exemplo, pode não ter sido racional, mas com certeza foi razoável. A aversão a perda já vinha crescendo, e o pacote fiscal parece que acionou um turbo.
Ninguém quer ser o último a apagar a luz.
Hudson Bessa – Economista e sócio da HB Escola de Negócios
hudson@hbescoladenegocios.com
www.hbescoladenegocios.com
Hudson Bessa
Arte sobre foto/Divulgação
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