O negócio do futebol e uma vez que a reforma tributária vai afetar o seu time
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Recentemente, ao final de uma supimpa live sobre reforma tributária na qual tive a alegria de palestrar para um devotado grupo de estudos de uma universidade carioca, um dos integrantes perguntou: é verdade que a reforma tributária vai piorar a tributação das SAFs?! Estava preocupado com os impactos das mudanças tributárias em sua paixão e na paixão vernáculo: o espetáculo do futebol.
O aluno sabiamente comentou que as Sociedades Anônimas do Futebol, conhecidas uma vez que SAFs, representam uma importante instrumento para a evolução do negócio futebol. Tendo ouvido que um regime específico havia sido criado para elas, mostrou-se revoltado ao imaginar que as novas regras tributárias poderiam desincentivar sua adoção. Ao caríssimo colega tributarista e a todos os fanáticos pelo futebol, tanto enquanto espetáculo uma vez que negócio, seguem minhas palavras de conforto.
Para os menos letrados, vale antes explicar que tradicionalmente os clubes de futebol foram organizados uma vez que associações sem fins lucrativos (Associações). Em 2021, a Lei nº 14.193 instituiu a figura da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) para sofisticar a governança, o controle e a transparência das atividades futebolísticas. A partir de logo, os times passaram a ter, dentre outras possibilidades mais ordinárias de sociedades, dois possíveis modelos para desenvolver seus negócios: as antigas Associações e as modernas SAFs.
Muitos daqueles que vivem o esporte comentam conosco que, dentre as várias belezas da SAF, tem-se a profissionalização da gestão com o ingresso de investidores externos interessados em fazer crescer o negócio para além de um procuração diretivo.
As SAFs facilitam ainda a captação dos recursos tão necessários para o desenvolvimento do esporte, com a possibilidade de usar seu próprio valor patrimonial em alavancagens, fazendo com que times deixem de ser reféns de formas de captação mais apressadas e caras (inclusive venda de jovens talentos que, se mantidos e formados por mais tempo, poderiam potencializar o sucesso do time e, por consequência, da sua marca).
No mundo das SAFs, obviamente, nem tudo são flores. Os muitos casos de sucesso são sopesados por alguns menos celebrados. Sua adoção certamente é uma grande evolução, mas a ser cuidadosamente planejada.
Outra venustidade da SAF hoje é sua tributação em relação àquela aplicável às Associações. Passemos agora, novamente para os menos letrados, a explorar quais são as receitas mais relevantes para o negócio do futebol e qual seu tratamento sob o sistema tributário em vigor.
No Brasil, umas das maiores fontes de renda para muitos dos clubes são os chamados direitos econômicos desportivos, relativos ao resultado financeiro decorrente da negociação e transferência doméstica ou internacional de atletas. Para clubes de maior porte, temos também uma vez que relevantes as receitas decorrentes de bilheteria, direitos de transmissão, patrocínios, prêmios e programas de sócio torcedor.
Enquanto as Associações são isentas do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), da Imposto Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e da Imposto para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), essas entidades devem recolher a imposto para o Programa de Integração Social (PIS) à alíquota de 1% sobre sua folha de pagamentos, muito uma vez que contribuições previdenciárias (INSS) de 5% sobre a receita bruta decorrente dos espetáculos desportivos, de patrocínios, licenciamento de uso de marcas e símbolos, publicidade, propaganda e de transmissão de espetáculos desportivos.
Os 5% do INSS não incluem premiações, recursos decorrentes do programa de sócio torcedor e nem direitos esportivos, uma das receitas mais relevantes para grande secção dos times brasileiros. O Imposto sobre Serviços (ISS) será devido à alíquota de 2% a 5% sobre serviços prestados, entendidos pelos Municípios uma vez que principalmente consistentes na bilheteria dos eventos desportivos, patrocínios envolvendo contrapartidas e licenciamento de marcas, conforme a legislação municipal aplicável.
As SAFs, por outro lado, estão sujeitas ao Regime de Tributação Específica do Futebol (TEF) regulado pela Lei nº 14.193/2021. Sob o TEF, as SAFs recolhem, durante os primeiros 5 anos de existência, IRPJ, CSLL, PIS, COFINS e contribuições previdenciárias (INSS) de 5% sobre suas receitas brutas mensais, incluindo as receitas referentes a prêmios e programas de sócio torcedor, mas excluídas as receitas relativas à cessão dos direitos desportivos dos atletas.
Durante os anos subsequentes, o TEF passa a incidir à alíquota reduzida de 4% da receita mensal, agora incluindo os direitos desportivos dos atletas, traço de resultado mais relevante para os clubes brasileiros, conforme já mencionado. De forma similar às Associações, as SAFs também estão sujeitas ao ISS de 2% a 5% sobre os mesmos fatos geradores tributáveis para as Associações, conforme a legislação do Município competente para cobrar o ISS.
Uma vez que se vê, sob a legislação atualmente em vigor, enquanto o ISS é cobrado de forma similar sobre as operações de Associações e SAFs, as Associações estão basicamente sujeitas a 1% de PIS sobre sua folha de pagamento e a INSS de 5% sobre suas receitas em universal, excluídas aquelas decorrentes de direitos econômicos de atletas.
As SAFs, por outro lado, estão geralmente sujeitas a uma tributação de 5% (nos primeiros 5 anos) ou 4% (nos demais anos) sobre suas receitas em universal, sendo que nos primeiros 5 anos são excepcionadas da tributação de uma das receitas mais importantes deste negócio, os direitos econômicos desportivos.
Portanto, enquanto a Associação sofre desvantagem em relação à SAF ao ser tributada pelo PIS de 1% sobre a folha de pagamentos, depois do seu quinto ano de existência a SAF terá que recolher não mais 5%, mas 4% sobre suas receitas (no caso, a título de IRPJ, CSLL, PIS, COFINS e INSS) sobre o montante que passa a incluir os direitos econômicos de atletas.
Assim, nos primeiros 5 anos de existência, a SAF tem vantagem tributária sobre a Associação, pois não recolhe PIS de 1% da sua folha de pagamento e paga os mesmos 5% sobre receitas sem direitos econômicos para resguardar os demais tributos federais. Nos anos seguintes da SAF, as vantagens ou desvantagens desses dois modelos de tributação do negócio do futebol (Associação ou SAF) decorrerão da conferência entre o 1% de PIS sobre folha de pagamento e 5% de INSS sobre receitas sem direitos econômicos pago pela Associação versus os 4% de tributos federais pagos pela SAF sobre suas receitas totais, inclusive direitos econômicos.
Com a reforma tributária instituída pela Emenda Constitucional nº 132/2023 e regulada pela Lei Complementar nº 214/2025, muitas coisas vão mudar. Essas receitas passarão a ser tributadas de forma substancialmente dissemelhante. Para o fôlego daquele preocupado aluno mencionado no início deste texto, as SAFs continuarão a ser tributariamente interessantes, quiçá até mais do que as Associações, em algumas circunstâncias. A verosímil venustidade tributária se soma logo às tantas outras da SAF para fazer com que oriente importante veículo de evolução do negócio do futebol continue a ser adotado.
Em origem, com a reforma tributária, diversos tributos incidentes sobre o consumo (ISS, PIS, COFINS, ICMS) serão substituídos pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e pela Imposto sobre Bens e Serviços (CBS). Em processo de transição que iniciará em 2026 para terminar em 2033, o PIS/COFINS será substituído pela CBS em 2027 e o ISS será gradualmente substituído pelo IBS de 2029 até 2033.
As Associações continuarão sujeitas ao INSS de 5% sobre suas receitas em universal, excluídos os direitos econômicos, e passarão, ao final da transição, a se sujeitar ao IBS/CBS sobre suas receitas totais a uma alíquota de IBS/CBS reduzida em 60% relativamente à alíquota de referência dos tributos. A alíquota de referência, hoje estimada em 28%, resulta em uma provável tributação das Associações pelo IBS/CBS de aproximadamente 11,2% sobre a totalidade das suas receitas (incluindo, portanto, direitos econômicos), muito uma vez que fornecimento não pesado de bens e serviços, inclusive ingressos, por meio de programas de sócio torcedor.
As SAFs, por outro lado, passarão a se sujeitar a um novo TEF delicado a partir das suas receitas totais, inclusive aquelas referentes a prêmios e programas de sócio torcedor, direitos desportivos dos atletas e cessão de direitos de imagem. A título de IRPJ e CSLL, será devido 4% de IRPJ e CSLL, com CBS e IBS devidos respectivamente às alíquotas de 1,5% e 3%.
Enquanto as Associações poderão se apropriar de créditos de IBS e CBS sob o regime universal (no qual todas as operações tendem a ser creditáveis exceto por aquelas vetadas pela legislação, uma vez que aquisições de bens de uso e consumo), a SAF somente poderá apropriar e utilizar créditos do IBS e da CBS em relação às operações em que seja adquirente de direitos desportivos de atletas que, uma vez que já comentado, correspondem às transações mais relevantes realizadas pelos clubes brasileiros.
Ou seja, de um cenário atual no qual as vantagens e desvantagens tributárias da SAF já existem a partir de algumas premissas, as vantagens da SAF no novo sistema tributário do IBS e da CBS decorrerão do traje de que as Associações estarão provavelmente sujeitas a uma alíquota combinada de aproximadamente 11,2%, com creditamento vasto, contra uma alíquota reduzida de IBS e CBS de 4,5% para as SAFs, com creditamento restringido, mas abrangendo suas operações mais importantes, relativas aos direitos desportivos de atletas transferidos. Os 5% do INSS das Associações tende a ser equivalente aos 4% de IRPJ e CSLL das SAFs, neste último caso sobre uma base de operação alargada pelos direitos econômicos.
Contas terão que ser feitas, mas nota-se que o novo sistema tributário continuará fazendo com que as SAFs sejam tributariamente competitivas, trazendo, portanto, os corretos incentivos para que o negócio do futebol se profissionalize para ser majoritariamente desenvolvido por meio de SAFs, e não necessariamente em Associações.
Muitas Associações têm grande sucesso e não vemos mal que assim continuem. Muitas outras mais, mas, deveriam estudar com carinho sua transformação em SAFs, inclusive por motivos tributários criados por esta reforma tributária merecedora de tantas críticas, mas que, ao não desincentivar as SAFs, é merecedora de efusivos aplausos.
Ana Carolina Monguilod é sócia do CSMV Advogados e Rabino (LL.M) em Recta Tributário Internacional pela Universidade de Leiden (Holanda).
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