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O país das duas semanas

O país das duas semanas

O país das duas semanas

O país das duas semanas

Na Despensa do Mundo de Clubes da FIFA, iniciada há poucos dias, a música tema é “Freed From Desire”, um eurodance da italiana Gala, da dez de 1990. O famoso refrão nã-nã-nã-nã-nã-nã precede: “my love has got no (…), he’s got his strong beliefs.”

Noutro dia, o Congresso expôs, ao lado do ministro Haddad, toda a sua insatisfação com a proposta da equipe econômica de taxação indiscriminada via IOF. Para provar “boa vontade”, entretanto, concedeu duas semanas para que fossem apresentadas alternativas, já que, segundo os presidentes das duas Casas, a sociedade não suporta mais impostos.

Pretérito o prazo (e posteriormente o presidente Lula da Silva ter entrado no giro), Haddad retornou com uma Medida Provisória que, aparentemente, também não agradou. Por fim, as medidas se centravam em… tchan-tchan-tchan-tchan (ou seria nã-nã-nã-nã-nã-nã?): impostos! Em sua resguardo, o ministro alegou que o objetivo era reduzir as distorções tributárias vigentes.

A Câmara dos Deputados, por sua vez, respondeu às novas “ideias” com nariz torcido. Votou um PDL (Projeto de Decreto Legislativo) na segunda-feira passada, um instrumento com poder para derrubar a proposta, alguma coisa não utilizado há mais de 20 anos. A roteiro amarga veio por 346 votos contra 97.

Mais uma vez, porém, o governo ganhou outras duas semanas, já que os congressistas não quiseram entrar imediatamente no préstimo. Desta vez, as justificativas foram as festas juninas e o Fórum Jurídico de Lisboa, que ocorrem nesta semana.

Ao que parece, somos o país dos 15 dias. O problema é que, num cenário em que o Congresso tem aproximadamente três meses de recesso por ano, nos restam, na melhor das hipóteses, 18 “janelas” de duas semanas. Em outras palavras, se continuarmos empurrando os graves problemas nacionais para “daqui a 15 dias”, corremos o risco de imobilismo.

O curioso é que tenho ouvido, de alguns mais animados, que as “coisas” estão caminhando muito, e que gestores de fundos globais estão otimistas com o Brasil. Revérbero disso seria a subida da bolsa (na máxima histórica), a valorização do real e até da subida de juros pelo Banco Médio.

Gostaria de compartilhar desse otimismo, mas, infelizmente, não consigo. Uma vez que permanecer construtivo diante da situação fiscal insustentável na qual vivemos? Creio que o tom positivo atual se deve muito mais a uma mudança no cenário extrínseco (alguma coisa que venho analisando há qualquer tempo nesta pilar) do que a méritos nossos. A não ser que o mercado esteja precificando, com mais de um ano de antecedência, que Lula não se reelegerá em 2026 e que teremos uma reviravolta na política macroeconômica. Mas não seria cedo demais para tamanha crença?

A trilha de hoje, a meu ver, é um caminho que pode nos deixar à extremo de um país inadministrável em 2027, caso não haja uma mudança radical — e não a vejo no horizonte. A própria ministra do Planejamento já fez esse alerta. E, quando a verdade se despojar, com a relação dívida/PIB “subindo a ladeira” uma vez que está, será um “Deus nos acuda”, já que as despesas estão crescendo em velocidade muito superior às receitas.

De toda forma, o governo vem ganhando tempo político. Mas será que ainda haverá espaço para reerguer a popularidade em queda? E mais: esse resgate virá com mais impostos sobre todos nós, que já destinamos 1/3 da renda para eles?

Minha possante crença (strong belief) é que precisamos trinchar gastos e impostos. Não consigo permanecer livre do libido (freed from desire) de um país com responsabilidade fiscal de vestimenta, e não de papo.

Para finalizar, o ex-presidente do Banco Médio, Gustavo Franco, tem uma frase que considero lapidar sobre o país, mas que talvez precise de uma atualização: “Se você permanecer uma semana fora do Brasil, tudo muda. Se você permanecer sete anos fora, zero muda”. Com a devida licença do responsável, sugiro uma adaptação: que tal trocarmos para duas semanas?

Alexandre Espirito Santo, Sócio e Economista-Patrão da Way Investimentos e professor de Economia e Finanças do IBMEC-RJ e ESPM

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Alexandre Espirito Santo — Foto: Valor Investe

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