O tom de Trump e a devassidão
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Uma das máximas para uma cultura empresarial atenta às questões éticas e de combate à devassidão é a de que o tom deve vir de cima, isto é, que a subida gestão das companhias deve expressar preocupação com aquelas questões e agir com rigor em relação a elas, dando o exemplo (o famoso “tone at the top”), para estimular os subordinados a fazer o mesmo.
Menos generalidade é lembrar que aquele princípio também se aplica às entidades públicas e, portanto, aos ocupantes de cargos nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. A mensagem de que a devassidão é secundária, e que os danos por ela causados são ossos do ofício, corrói os mecanismos desenhados para combatê-la e estimula sua prática.
Essa mensagem, e a percepção dela decorrente, parecem estar sendo disseminadas nos Estados Unidos da América na era Trump. E, mais surpreendente, com uso de argumentos que também foram utilizados no Brasil em relação aos efeitos do combate à devassidão em universal, e da operação Lava-Jato em privado.
Durante muitos anos criticou-se a tendência das leis norte-americanas à extraterritorialidade. Por esse método de legislar e inspeccionar o cumprimento das normas, leis aprovadas em um país são editadas com a finalidade de punir condutas praticadas fora dele. Um dos maiores símbolos dessa extraterritorialidade é o Foreign Corrupt Practice Act (FCPA), de 1977.
Além de companhias americanas e estrangeiras que atuam nos Estados Unidos, aquela lei anticorrupção se aplica a empresas estrangeiras que oferecem títulos e valores mobiliários no país, ou obtêm registro para que tais títulos sejam negociados nos mercados americanos. Isso fez e faz com que muitas companhias brasileiras sejam submetidas ao FCPA.
O rigor na emprego das leis sempre foi uma particularidade do Departamento de Justiça do governo dos Estados Unidos, publicado por DOJ – acrônimo de seu nome em inglês. O seu procurador universal é uma figura pública destacada, que comanda os procuradores responsáveis por processar quem descumpre as leis federais. Alguma coisa que em secção coincide com as funções da Procuradoria Universal da República no Brasil.
O sucesso e a grande visibilidade das ações do DOJ para punir corruptos produziu efeitos positivos em muitos países, inclusive no Brasil. Por um lado, todas as empresas que pretendem acessar diretamente os investidores americanos são obrigadas a estabelecer rígidos padrões de controles internos, para identificar, reprimir e exprimir atos de devassidão às autoridades.
Por outro lado, com a adoção do padrão norte-americano, canais para o recebimento de denúncias de devassidão terminaram se expandindo para outros ilícitos, porquê violações a códigos de moral e condutas anticoncorrenciais. E diversas leis passaram a prever benefícios para os infratores e as empresas que comunicassem as irregularidades antes delas serem descobertas pelas autoridades.
Esse padrão foi importado por leis e procuradores locais, inclusive no Brasil. A Lei Anticorrupção (Lei 12.846, de 2013), e antes dela a Lei do Sistema Brasiliano de Resguardo da Concorrência (Lei 12.529, de 2011) incentivaram, por exemplo, a colaboração de empresas que tivessem cometido ilícitos, desde que permitissem a elucidação das condutas indevidas.
Mas esse exemplo vindo do Setentrião tem sofrido grande transformação com a eleição de Donald Trump. Em 10 de fevereiro deste ano o Presidente editou uma ordem executiva suspendendo por 180 dias a atuação do DOJ visando ao cumprimento do FCPA, e ordenando que, naquele prazo, fossem preparados novos padrões de atuação.
A finalidade, segundo Trump, era evitar a emprego do FCPA “além dos limites apropriados” de modo “que prejudique os interesses dos Estados Unidos”, e seu uso “contra cidadãos e empresas americanas … por práticas comerciais rotineiras em outros países”, ou de forma que “prejudique a competitividade econômica americana e, portanto, a segurança vernáculo”.
Na semana passada, em cumprimento a essas instruções, o DOJ estabeleceu, entre outras limitações à atuação dos procuradores federais americanos, a de “considerar as consequências colaterais, porquê a verosímil interrupção de atividades comerciais lícitas e o impacto sobre os empregados da empresa, ao longo de toda a investigação, e não exclusivamente na temporada de solução”.
Esse exposição é semelhante ao adotado por diversos agentes públicos no Brasil, dos três poderes, em relação ao combate à devassidão em universal, e aos efeitos da operação Lava-Jato em privado. Uma vez que se os benefícios do sucesso empresarial devessem ser preservados mesmo diante dos danos causados pelos meios para alcançá-los.
Na prática, o tom de Trump sobre a devassidão por empresas americanas é o de que os fins justificam os meios. Cabe a nós, por cá, lutar para que essa mensagem não prevaleça entre os empresários, políticos e juízes brasileiros. Sob pena de o país por a perder mais de uma dezena de esforço pela moralização das relações entre empresas e governos.
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