Opinião – STJ, B3 e a segurança jurídica no mercado de capitais
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Em outubro de 2018, dois investidores viram seus recursos desaparecerem quando o Banco Médio decretou a liquidação extrajudicial da corretora por meio da qual operavam na bolsa de valores. Com a liquidação, todas as operações foram encerradas e as quantias aplicadas – que, somadas, totalizavam R$ 2 milhões, em valores da estação – deixaram de estar disponíveis. Diante dessa perda, os investidores processaram a B3. Alegaram que a bolsa teria falhado ao permitir que a corretora permanecesse credenciada mesmo com risco proeminente. E sustentaram que houve falta de transparência quanto à solidez da corretora.
Levante caso, que teve repercussões judiciais, levanta importantes reflexões acerca da segurança jurídica no mercado de capitais e para o investidor. As discussões suscitadas giram em torno da perspicuidade quanto à legislação aplicável, ao papel da B3 porquê autorreguladora do mercado e à transparência exigida pela Percentagem de Valores Mobiliários (CVM).
Em decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no caso citado, a B3 não foi responsabilizada. No voto da relatora, ministra Nancy Andrighi, três pontos chamam a atenção. Em primeiro lugar, destaca-se a reafirmação da tese já consolidada de que não incide o Código de Recta do Consumidor (CDC) no contexto das relações entre investidor e B3. O voto destaca que a inexistência de relação de consumo deve-se ao vestuário de que a B3 mantém relação direta exclusivamente com as corretoras de valores mobiliários. Assim, porquê a relação jurídica entre investidores e a entidade é indireta e de natureza privativo, ela não é regulamentada pelo CDC.
Em segundo lugar, merece atenção o vestuário de a decisão ter ressaltado o regime jurídico específico aplicável ao funcionamento da B3, nos termos da Lei nº 6.385/76, que em seu art. 18, estabelece a cultura da CVM para regulamentar os deveres da entidade administradora de mercado organizado. Para o STJ, acertadamente, as normas regulamentares não podem ser substituídas pela teoria que o Poder Judiciário faz do que seja a melhor forma de divulgação de informações; declarar em sentido contrário seria lançar o mercado de capitais no mar revolto da subjetividade judicial.
Por termo, labareda a atenção o reconhecimento pelo STJ das decisões tomadas no contexto da autorregulação da entidade administradora. De conformidade com o voto da ministra relatora, cumpre à entidade administradora utilizar a sanção que melhor responde ao caso concreto, observada a proporcionalidade entre a sanção e a conduta.
Embora a Lei nº 6.024/1974 preveja, em seu art. 52, §1º, a possibilidade de que as próprias Bolsas de Valores requeiram ao Banco Médio a decretação de liquidação extrajudicial de empresas atuantes no mercado de capitais, é preciso recordar que essa é a sanção mais severa dentro desse regime. A cessação imediata das atividades de uma corretora pode, paradoxalmente, atingir os próprios investidores que se pretende resguardar, ao interromper operações em curso e dificultar o entrada aos recursos aplicados. Aí sim o argumento de responsabilização da B3 ganharia força, principalmente se o enforcement da Bolsa não adquirisse um caráter gradual. Cabe à entidade administradora, portanto, trenar com prudência esse poder-dever, encontrando a gradualidade e a justa medida da sanção a ser aplicada, para que o remédio não se converta em veneno.
A decisão do STJ é uma boa notícia em termos de segurança jurídica e deferência à regulação autárquica e à cultura das entidades autorreguladoras. Ao alongar uma responsabilização que extrapola o marco legítimo e regulatório, o STJ sinaliza ao mercado de capitais uma segurança normativa indispensável ao seu desenvolvimento. Nesse contexto, todavia, é evidente que o investidor deve estar se perguntando: porquê se proteger nesse cenário jurídico que lhe parece tão pouco favorável? Não há zero que possa ser feito para lhe conferir alguma margem de segurança?
A esse saudação, é importante lembrar que as informações sobre as corretoras – tais porquê sanções, suspensões e situação regulatória – estão disponíveis nos comunicados e registros que constam no site da CVM e do Banco Médio. Essa é uma exigência feita pela Instrução CVM nº 461/2001, que impõe à B3 a obrigação de compartilhamento de informações com esses órgãos oficiais. Também, a B3 deve propalar no site da BSM (Supervisão de Mercados) as peças e decisões dos processos administrativos posteriormente o seu fechamento e termo de compromisso.
É importante ressaltar, também, que o investidor conta com o Mecanismo de Ressarcimento de Prejuízos (MRP), mantido pela B3 e governado pela BSM, que assegura o ressarcimento de até R$ 200.000,00 por investidor, em hipóteses específicas de lapso de intermediação. O pedido de ressarcimento, que não se aplica a títulos de renda fixa (CDBs, LCIs, LCAs) nem a investimentos em Tesouro Direto, pode ser solicitado diretamente à BSM.
Uma estrato suplementar de segurança também é fornecida pelo uso do mecanismo de custódia individualizada na B3: ao registrar os ativos diretamente no CPF do investidor, evita-se a confusão patrimonial e preserva-se a titularidade, mesmo diante de uma liquidação.
Para além de tudo isso, um outro entendimento do STJ ainda merece ser mencionado a termo de tranquilizar aqueles que investem em valores mobiliários. De conformidade com o tribunal superior, quando uma corretora de valores entra em regime de falência ou liquidação, os recursos depositados pelos investidores, seja em contas de custódia ou em contas utilizadas para ordens de compra e venda, não compõem a volume falida. No REsp nº 2.110.188/SP, do qual julgamento é de dezembro de 2024, de relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, o STJ decidiu que tais valores não integram o patrimônio da corretora, devendo, portanto, ser restituídos ao investidor.
Essa decisão se harmoniza com o cláusula 85 da Lei 11.101/2005, que assegura a restituição de bens que não pertencem à volume falida, mas que se encontram em sua posse. Porquê o STJ entendeu que no mercado de capitais as corretoras atuam porquê meras intermediárias, a sua situação se assemelha com a de um mandatário com poderes de representação, de modo que os valores do investidor não integram o seu patrimônio e, porquê resultado, a sua restituição deverá ser feita fora da ordem de pagamento dos credores.
Por tudo isso, embora a mais novidade decisão do STJ tenha isentado a B3 de responsabilização, o investidor conta com medidas preventivas para se proteger de perdas. Aliados aos mecanismos de proteção cabíveis, os posicionamentos recentes do STJ têm contribuído para um acréscimo da crédito universal no sistema financeiro.
Ana Luiza Braga* é advogada do Levy & Salomão Advogados e rabi e doutora em Filosofia do Recta pela USP
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