Opinião – Uma agenda de reconvergência: o caminho do núcleo e a superação do impasse brasiliano
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No meu item anterior evidenciei que o Brasil experimenta há mais de duas décadas evolução positiva dos indicadores socioeconômicos, mas que performa mal na confrontação relativa com seus pares. Apesar da firmeza institucional, dos avanços sociais e da consolidação de instrumentos macroeconômicos, o país não conseguiu retomar um ciclo consistente de incremento e produtividade que reduzisse a intervalo para os países mais ricos. A polarização política e o prostração da capacidade de negociação entre forças democráticas criaram um impasse: reformas estruturais tornaram-se quase impossíveis, enquanto o sistema político se acomoda à lógica da sobrevivência e da distribuição fragmentada de recursos públicos.
Diante desse cenário, o país necessita de uma concertação política ampla, que isole os extremos ideológicos e permita a formação de uma coalizão de núcleo pragmática e reformista. Essa coalizão teria uma vez que objetivo reconstruir o pacto social e econômico do país em torno de uma agenda clara: incremento com eficiência, isenção e firmeza institucional.
A fragmentação do sistema partidário, somada à radicalização do exposição público, corroeu a capacidade de formulação de políticas de longo prazo. O país passou a operar sob um sistema político que privilegia o pequeno prazo e o atendimento a grupos específicos, em detrimento de uma visão de desenvolvimento pátrio.
Uma coalizão de núcleo, portanto, não deve ser entendida uma vez que mero remendo eleitoral, mas uma vez que um projeto de reconstrução da governabilidade racional. Isso implica resgatar a capacidade de diálogo entre partidos moderados, empresários, sindicatos e sociedade social organizada, criando uma base para reformas que não sejam capturadas por agendas populistas ou corporativistas.
Essa coalizão precisaria ser sustentada por valores comuns: saudação à responsabilidade fiscal, compromisso com a eficiência do gasto público, valorização da ensino e resguardo das instituições democráticas. Em suma, trata-se de uma confederação entre pragmatismo econômico e responsabilidade social, alguma coisa que historicamente trouxe firmeza aos países que conseguiram superar armadilhas de estagnação.
A reconstrução do caminho de convergência do Brasil com as economias mais dinâmicas requer um programa de reformas articuladas, capaz de combinar ajuste estrutural com políticas de inclusão. Essa agenda pode ser organizada em quatro eixos principais: educacional, administrativa, fiscal, previdenciária e política.
A base da produtividade futura está na ensino. O Brasil precisa desistir o foco somente quantitativo e priorizar a qualidade do ensino, com ênfase em formação docente, avaliação de desempenho e ensino técnico. Experiências internacionais mostram que países emergentes que investiram de forma consistente em ensino básica e técnica — uma vez que Coreia do Sul, Polônia e Vietnã — conseguiram saltos expressivos em produtividade. Experiências bem-sucedidas em municípios brasileiros, uma vez que Sobral (CE) e Londrina (PR), demonstram que é provável obter resultados de cimalha nível em redes públicas e com orçamento restringido, mediante políticas consistentes de avaliação, capacitação docente, meritocracia e envolvimento comunitário. O país deve integrar o sistema educacional às necessidades do mercado de trabalho e promover parcerias entre escolas técnicas, universidades e setor privado.
O Estado brasiliano é dispendioso e ineficiente. É urgente redesenhar carreiras, emendar distorções salariais e introduzir mecanismos de meritocracia e avaliação de desempenho. O objetivo não é reduzir o Estado, mas torná-lo funcional, moderno e orientado a resultados. Uma governo pública profissional e menos sujeita a pressões corporativas é necessário para restaurar a crédito do cidadão na capacidade de realização do governo.
Reforma fiscal e revisão do gasto público
O duelo fiscal brasiliano não é somente de arrecadação, mas sobretudo de qualidade do gasto. O país precisa revisar a estrutura de gastos tributários e programas sociais, avaliando seu custo-benefício. Benefícios ineficientes, renúncias fiscais de baixa eficiência e subsídios setoriais improdutivos devem ser substituídos por políticas de impacto comprovado em produtividade e isenção. Um orçamento fundamentado em evidências deve substituir a lógica incrementalista e clientelista que hoje predomina.
Aliás, a simplificação tributária é indispensável para reduzir o dispêndio de conformidade, aumentar a competitividade e atrair investimento produtivo. A recente reforma tributária sobre o consumo é um passo importante, mas precisa ser acompanhada por uma revisão do sistema de impostos sobre renda e patrimônio, com foco em justiça distributiva e eficiência econômica.
Novidade reforma da previdência
Apesar da reforma de 2019, o regime previdenciário brasiliano permanece pesado. É necessário encomiar e igualar a idade mínima de aposentadoria para homens e mulheres, alinhando o país à tendência de envelhecimento populacional e às práticas internacionais. Medidas atuariais automáticas – uma vez que vinculação da idade mínima à expectativa de vida – garantiriam sustentabilidade de longo prazo.
Reforma política e institucional
Nenhuma agenda reformista prosperará sem mudanças nas regras do jogo político. É necessário retomar o princípio essencial de cada cidadão um voto, mediante a eliminação dos limites máximos e mínimos de deputados por estado, recalculando o tamanho de cada bancada estadual, sem aumentar o número totalidade de parlamentares. O Senado, com um tamanho idêntico de representantes por UF, já faz o papel de harmonizar os interesses regionais. Recentes modificações, que permitiram reduzir a fragmentação partidária, fortalecer a fidelidade programática e produzir incentivos para a formação de maiorias estáveis no Congresso, devem ser mantidas. Há que se expelir o chamado “Orçamento Secreto”, que estimula a dissipação e a negociação pontual de interesses, em detrimento da formulação de políticas públicas coerentes.
A experiência internacional mostra que reformas profundas só são possíveis quando existe liderança política capaz de ler consensos amplos. No Brasil, essa liderança deve surdir não uma vez que um projeto personalista, mas uma vez que uma plataforma de núcleo democrática, capaz de incorporar atores de diferentes origens ideológicas e sociais em torno de objetivos comuns.
Essa concertação não pressupõe homogeneidade, mas compromisso com regras básicas: responsabilidade fiscal, saudação às instituições, resguardo da ensino de qualidade e valorização do préstimo e do trabalho. Trata-se de reconstruir um “núcleo produtivo” da política — hoje enfraquecido por narrativas extremadas e pela descrença social — que funcione uma vez que polo de firmeza e racionalidade.
A informação também é fundamental: o sucesso de uma agenda de reformas depende da capacidade de explicar à sociedade os custos e benefícios das mudanças. Reformas exigem sacrifícios, mas, quando muito comunicadas e ancoradas em objetivos claros, podem gerar base social perene.
O Brasil se encontra diante de uma encruzilhada histórica. A alternância entre populismos de sinal oposto, o uso eleitoral da máquina pública e a incapacidade de erigir consensos mínimos paralisaram o país. No entanto, a solução não está nos extremos, mas no reencontro com o núcleo — o espaço do diálogo, da negociação e da racionalidade.
Uma concertada política de reconstrução pátrio, baseada em uma coalizão de núcleo e voltada para reformas estruturais, é o caminho para entregar ao Brasil a capacidade de crescer, inovar e reduzir desigualdades. Ao promover uma agenda de eficiência e justiça social, o país poderá finalmente retomar a trajetória de convergência com as nações que souberam transformar firmeza em progresso.
O duelo é grande, mas a história mostra que nações que optaram pela moderação e pela responsabilidade — e não pela retórica dos extremos — foram as que conseguiram erigir prosperidade duradoura.
*Marcelo Giufrida é empresário; foi presidente da Anbima e CEO da Garde e das gestoras do BNP Paribas e CCF no Brasil
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