Quem falta na sala?
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Em seguida a traumática pandemia, passei a valorizar muito os eventos presenciais. Sim, gastamos tempo nos deslocamentos; sim, às vezes não podemos programar outros compromissos no dia. Mas zero é mais compensador do que ouvir as pessoas diretamente, olhar nos olhos, encontrar, interagir. São vivências e aprendizados que vão além do próprio teor.
Foi assim em 30 de setembro, no evento “Rumo à COP30: perspectivas de governança para adaptação e financiamento climatológico”, promovido pelo Chapter Zero Brazil, no contextura do IBGC – Instituto Brasílio de Governança Corporativa. O Chapter Zero Brazil é o capítulo brasílico da CGI – Climate Governance Initiative, criada pelo Fórum Econômico Mundial em 2019 para engajar conselheiros(as) no debate estratégico sobre clima e natureza.
O encontro teve dois painéis de eminente nível com especialistas em finanças sustentáveis, governança e regulação para discutir o papel das empresas na transição climática e na construção de mecanismos de adaptação. O primeiro, com curadoria do FGVces, abordou os desafios da adaptação climática e seus reflexos na governança corporativa.
O segundo, com curadoria da ANBIMA, tratou das oportunidades que o mercado financeiro oferece à transição. No dia, houve também o lançamento da 3ª edição do “Board Scorecard: a atuação dos conselhos frente aos impactos climáticos e a estratégia net zero”, publicação que avalia o proporção de preparo dos conselhos frente à agenda climática. Citei alguns resultados dessa pesquisa no meu último item: “Cada Recomendação é um Recomendação”.
Sentada na plateia e ouvindo os depoimentos e apresentações, constatei mais uma vez que não faltam dados, evidências e comprovações sobre o valor tangível da agenda ESG para os negócios, em termos financeiros, de forma concreta e à prova de qualquer questionamento. Ato contínuo, minhas reflexões foram:
- “Por que não avançamos mais rápido?”
- “Por que temos que martelar tanto para que se implementem medidas que promovam a transição de protótipo de que precisamos?”
Olhei ao volta e vi que todos ali compreendiam esse contexto, estavam convencidos, sabiam do valor das pautas ambientais, sociais e de governança. A pergunta seguinte que me fiz, portanto, foi: “Quem falta na sala?”. Ou seja, quem deveria estar ali também, naquela terça-feira, na sede do IBGC, para ouvir todo aquele rico teor e ajudar a movimentar as montanhas que bloqueiam o caminho?
Para criar uma resposta consistente, fiz essa pergunta a alguns dos painelistas e convidados, pessoas de subida capacidade de influência e protagonismo. Vejam, na opinião delas e deles, “quem falta na sala”:
- “Dois convidados são essenciais para que consigamos atingir os objetivos e os compromissos assumidos: os investidores institucionais e os investidores internacionais. Os investidores institucionais, representados pelos fundos de pensão, seguradoras e outras entidades previdenciárias abertas e de regimes próprios, pela sua própria natureza, porquê investidores fiduciários de longo prazo, deveriam ter uma alocação mais significativa em investimentos sustentáveis. As alegações relacionadas às questões macroeconômicas presentes não se sustentam em horizonte temporal mais vasto e longínquo, onde se requer maior diversificação e alocações estratégicas consistentes para se atingir os objetivos de risco/retorno compatíveis. Quanto aos investidores internacionais, detentores de expressivos volumes de recursos, buscando ativos focados em transição climática, precisamos ampliar muito mais a nossa capacidade de atraí-los.” – Cacá Takahashi, diretor da Anbima e senior advisor da BlackRock no Brasil.
- “Ainda faltam na sala dois atores-chave: a sociedade, que não pressiona seus representantes por políticas públicas robustas, e os conselhos de gestão, que pouco discutem riscos climáticos e o papel da iniciativa privada. Não será unicamente com recursos públicos que se levantará o capital necessário: segmento da adaptação diz reverência aos próprios negócios, bens e serviços. Sem pressão social e sem governança corporativa efetiva, o financiamento climatológico segue restringido.” – Cristina Pinho, conselheira e presidente do Instituto Luísa Pinho Sartori.
- “Precisamos transcrever a agenda climática e de sustentabilidade para quem está mais distante da discussão mas mais próximo das consequências das mudanças climáticas. Trespassar das salas de reuniões, seminários e lucrar as ruas, os ônibus, os campos e as florestas. Falar em agenda de clima e sustentabilidade é falar de qualidade de vida, do muito generalidade e do desvelo e paixão pelo lugar que vivemos. Para quem está fora da sala entrar, é preciso erigir as pontes e furar as portas, trespassar das bolhas e lucrar o mundo.” – Nabil Kadri, rabino e profissional em sustentabilidade e gestão pública, superintendente da espaço de meio envolvente do BNDES.
- “Faltam na sala os que hoje ainda decidem olhando unicamente pelo retrovisor, investidores de limitado prazo, líderes empresariais resistentes à mudança, representantes das comunidades e das gerações futuras que já sentem os impactos da crise climática, e, sobretudo, os que já estão construindo soluções transformadoras: empreendedores e cientistas de impacto, inovadores a serviço da bioeconomia, jovens lideranças e comunidades tradicionais que guardam conhecimento avoengo sobre regeneração. Precisamos furar espaço cada vez mais para quem mostra, na prática, que é verosímil conciliar prosperidade econômica com impacto positivo, incluindo quem paga a conta da inação e quem pode erigir conosco os caminhos de uma economia regenerativa.” – Tarcila Ursini, conselheira de gestão e embaixadora da Climate Governance Initiative no Brasil (Fórum Econômico Mundial / IBGC).
Concordo plenamente com Cacá, Cristina, Nabil, Tarcila. Precisamos trazer todos esses atores e os famosos “não convertidos” para a sala. E essa não é uma guerra de hoje. Quem atua na agenda há muito tempo sabe que reside nessa conquista o sigilo do progresso. Aliás, foi assim em seguida a pandemia, tema com o qual iniciei esse item. O impacto da covid-19 e o entendimento, pela dor, da interconexão profunda entre questões sociais (no caso, saúde), ambientais, econômicas e de governança trouxeram para a sala os líderes empresariais porquê nunca antes e sustentabilidade passou a ser mais considerada por CEOs e conselhos. Mas ainda há muitos assentos vagos que precisam ser ocupados nessa sala. Urgentemente.
Sonia Consiglio é SDG Pioneer pelo Pacto Global da ONU e profissional em Sustentabilidade.
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