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Safaris, informação e mercado

Safaris, informação e mercado

Safaris, informação e mercado

Safaris, informação e mercado
A circulação de informações no mercado financeiro deveria funcionar como num safari, onde os guias turísticos dividem entre eles as informações sobre os bichos que encontraram pelo caminho, não apenas por um dever ético, mas para manter o bem estar de todos (guias e seus clientes) Estive de férias na África para alguns dias de Safari. Uma experiência turística única, com o bônus de algumas reflexões a partir da eficiente circulação de informações entre os guias turísticos por lá.
Nos países em que estive, Quênia e Tanzânia, os Safaris são feitos em parques nacionais e áreas de preservação, em veículos tipo jipe, mas com cabines estendidas e confortáveis, que comportam até seis pessoas, e conduzidos por guias turísticos.
A dinâmica de difusão da informação dentro dos parques é muito intensa. Os animais de grande porte, como elefantes e girafas, e os que se deslocam em grandes grupos, como os enormes e temidos búfalos africanos, ou os gnus e gazelas, são avistados à distância e com maior facilidade.
Embora mais raros, hipopótamos também são mais fáceis de encontrar, porque invariavelmente estão perto ou dentro d’água, e os locais dos lagos e áreas pantanosas são conhecidos de todos. Mas as dezenas de guias estão principalmente em busca das atrações mais raras e fugidias, como leões, leopardos, guepardos e rinocerontes.
A informação sobre onde estão, a cada momento, aqueles animais, é difícil de obter isoladamente, dada a vastidão dos milhares de quilômetros quadrados dos parques. Os alvos se movem constantemente, escondem-se deitados no mato alto ou nos galhos das árvores, e drones não são permitidos. Por isso, o mercado foi obrigado a se autorregular, para funcionar eficientemente.
O guia que primeiro avista os bichos tem, claro, a vantagem de mostrá-los aos seus clientes, sem a companhia imediata de outros turistas. Mas a informação é rapidamente disseminada por rádio. Em poucos minutos começam a chegar novos visitantes, enquanto os que já se saciaram seguem em busca de outras atrações. A regra não escrita é de que não se reúnem mais de dez carros ao mesmo tempo em torno dos animais.
O paralelo com o mercado de capitais é inevitável. É a publicidade das informações (e idealmente a dos preços dos negócios) que permite a cada investidor tomar suas decisões de maneira refletida. Mas mesmo assim a maioria de nós delega aquelas decisões a profissionais especializados. Os guias turísticos funcionam como esses gestores de carteiras para os turistas.
Como regra geral, os guias têm que agradar os clientes exibindo o maior número possível de animais, em variadas situações. Mas os objetivos dos turistas, como os dos investidores, variam muito. Nem todos têm paciência para esperar por um retorno especial – como o momento em que os preguiçosos leões, leoas e seus filhotes, esparramados a poucos metros de distância do carro, finalmente se levantam.
Outros clientes preferem não encontrar certos animais, porque já os viram por mais de uma vez. Ou só querem ver os felinos. Ou restringem a liberdade do guia-gestor na formação da “carteira”, excluindo por desconforto a memorável cena de um leopardo devorando uma gazela entre os galhos de uma árvore.
A informação privilegiada não é retida por quem a obtém porque, isoladamente, ela vale pouco para os agentes do mercado. Durante as cinco ou seis horas em que circulam com turistas todos os dias, de manhã bem cedo e ao final da tarde, os guias precisam encontrar atrações variadas. Para isso, dependem de que a informação circule.
Nenhum guia é capaz de mostrar tudo sozinho aos seus clientes. Se os turistas não virem o máximo possível de atrações, em suas múltiplas situações – de irmãos guepardos brincando a dez hipopótamos chafurdando e atacando-se no lago raso, passando pela travessia da estrada estreita pela mãe rinoceronte com seu filhote – a procura pelos Safaris, seus preços e as aguardadas gorjetas – a taxa de performance dos guias – serão menores.
Uma outra explicação para a não apropriação da informação privilegiada pelos guias é que, ao contrário do que acontece no mercado de capitais, a recompensa individual nunca será grande o suficiente. De que adianta mostrar leões por uma hora a sós para um ou outro cliente, e receber uma boa gorjeta deste, se não se puder mostrar todo o mais, no menor espaço de tempo possível, para todos os clientes?
No entanto, quando conversei com os guias, a resposta não mencionou o aspecto econômico diretamente. Para eles, trata-se de um dever ético com os colegas de profissão, reforçado nos cursos de formação para a obtenção das licenças: como guias, todos devem cooperar para que os visitantes vejam o que de melhor houver para ver a cada dia.
No mercado de capitais, não apenas o dever ético, mas também o interesse próprio, deveriam reprimir o uso de informação privilegiada. O risco das sanções penais e administrativas, da devolução do benefício ilícito, e da destruição da reputação, deveria ser suficiente para inibir grandemente a conduta.
Ao poder público cabe reforçar o alerta sobre esses riscos, o que inclui acusar quem de fato cometa aqueles ilícitos, sem perder-se em ampliações indevidas que levarão a absolvições e à consequente percepção de impunidade. E os agentes de mercado, como fazem os guias de Safari, também devem reforçar a importância ao aspecto ético na autorregulação de suas condutas, para o melhor funcionamento de todo o sistema.
Marcelo Trindade
Arte sobre foto Divulgação

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