Só três corretoras da Carteira Valor fecharam 2024 no azul. Veja estratégias usadas
Para quem não conhece, a Carteira Valor existe há mais de vinte anos, bate o Ibovespa no longo prazo, e é uma seleção que reúne as 10 ações mais indicadas por diversas corretoras participantes a cada mês. Em 2024, 13 corretoras participaram da Carteira e escolheram mensalmente cinco papéis que elas acreditavam que iriam se valorizar naquele mês. Para ver no detalhe a indicação mensal de cada corretora, basta entrar no site da ferramenta da Carteira Valor.
O cenário negativo que se desenhou para a bolsa brasileira em 2024 ficou evidente não só na desvalorização do Ibovespa no ano como no próprio desempenho das corretoras participantes. Além de só três terem conquistado alta, quatro corretoras tiveram quedas superiores a 20% e outras quatro caíram entre 8% e 19%. Portanto, mais da metade das participantes registrou uma queda significativa em seus portfólios.
Parte disso pode ser explicada pelas ações mais indicadas ao longo do ano. Os papéis de Vale e Itaú, por exemplo, apareceram nos 12 meses de 2024. Mas, apesar de serem consideradas ações defensivas, no ano, elas registraram queda. As ações da mineradora caíram mais de 20% e as do banco recuaram 3,4%.
O que, então, garantiu o bom desempenho de Ágora, CM e Ativa? Segundo os analistas responsáveis pela seleção, o comportamento conservador, mas com uma pitada de caça de “agulhas no palheiro” que garantiriam uma alta.
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Ágora Investimentos
Nessa busca pelo que “apimentaria” a seleção, a Ágora se valeu de diferentes estratégias. Segundo José Cataldo, superintendente de análises da Ágora Investimentos, em períodos de divulgação e balanços, a corretora selecionava empresas que poderiam apresentar bons números, o que poderia ajudar as ações a subirem no curto prazo.
Além disso, a casa priorizou empresas boas pagadoras de dividendos e aquelas que se beneficiariam de acontecimentos específicos, como foi o caso da Sabesp, que teve valorização após a conclusão da privatização, e a JBS, que vinha demonstrando melhoras operacionais.
“Os papéis que apareceram mais vezes na nossa Carteira Valor em 2024 foram Telefônica, Sabesp, BB Seguridade, JBS, Cemig, Petrobras, Itaú e WEG. São empresas que, no geral, são defensivas, consolidadas, com boa distribuição de dividendos. Mas também trouxemos algumas histórias específicas como é Sabesp com a privatização. E não tivemos só a defesa, tivemos que ter uma ‘pimenta’. Aí entraram empresas como a JBS, que estava em uma melhora operacional grande e também empresas que sabíamos que teriam balanços positivos”, explica.
Segundo Dalton Gardimam, economista-chefe da Ágora Investimentos, uma das vantagens da Ágora nessa composição foi o trabalho de avaliar minuciosamente o cenário macroeconômico e se antecipar ao contexto mais conturbado que estava surgindo.
“O mercado chegou a cogitar uma Selic em 8% ao ano no ano passado e nossa previsão estava mais perto de 10%, então a gente minimizou o erro de projeção. A gente não acreditava que a inflação voltaria de forma fácil para a meta, então, em um segundo momento, passamos a acreditar que os juros precisariam voltar a subir para valer. Com isso, fomos bem mais conservadores nas escolhas, entendendo toda a restrição que esse cenário traria”, diz.
E a expectativa dos analistas é de que o cenário em 2025 fique ainda mais conturbado, não só pelos juros maiores no Brasil, mas também pelo cenário externo pior. A volta de Donald Trump ao governo dos Estados Unidos, por exemplo, pode diminuir o ritmo de corte de juros por lá (tendo em vista que muitas das propostas do republicano podem trazer pressões inflacionárias), o que também impacta o mercado local e pode afugentar ainda mais os investidores daqui.
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Segundo os analistas, em um contexto como esse, é importante fugir de empresas endividadas. “Os juros acima de 12% provocam um rastro complicado. Então, primeiro de tudo, precisamos evitar armadilha das ações que parecem estar negociadas a valores muito atrativos, mas que estão muito alavancadas [endividadas]. Já na nossa primeira seleção de papéis do ano evitamos empresas endividadas e mantemos aquele foco em companhias com boa distribuição de dividendo”, afirma Gardimam.
O analista complementa que companhias mais conservadoras, especialmente as prestadoras de serviços (também chamadas de “utilities”), como energia elétrica, telefonia e saneamento básico, seguem no radar. Isso porque essas empresas tendem a ter negócios já consolidados, demandas perenes e capacidade de repassar preços, além de terem menos exposição ao câmbio.
E se muitas corretoras apostaram em exportadoras para se valer do real mais enfraquecido (tendo em vista que essas empresas têm receita em dólar), os analistas da Ágora afirmam que é preciso ter cuidado com essa estratégia em 2025. Isso porque o governo deve tomar alguma medida para controlar o câmbio e, com isso, a chance de o dólar recuar é “bem razoável”, o que pode prejudicá-las.
“É bom ter exportadoras como a ‘pimentinha’, mas o ideal é não dosar a mão porque se o dólar volta para R$ 5,80, elas sofrem”, afirma Cataldo.
CM Capital
Na CM Capital, o que também ajudou a garantir um resultado positivo no ano foi a mistura de ativos mais conservadores com empresas que passavam por algum momento específico positivo, segundo Rafael Lage, analista CNPI da corretora.
No lado da segurança, uma das principais apostas foi nas prestadoras de serviços (utilities), especialmente de saneamento e energia, além de seguradoras. “Procurei focar muito nesses dois segmentos. Sempre tínhamos uma ação do setor de energia, colocamos Cemig, Eletrobras. As utilities entram nisso por conta dessa demanda perene, da previsibilidade da geração de caixa, e isso nos ajudou. Além disso, colocamos seguradoras ao invés de ações de bancos”, afirma Lage.
O que garantiu o bom resultado, no entanto, foi misturar essas ações com papéis cm mais potencial de alta. A busca, porém, foi por histórias específicas, como foi o caso da Embraer, WEG e JBS, que divulgaram bons números ao longo do ano e garantiram uma alta significativa.
“Acho que acertamos muito nas ações de forma individualizada. A Embraer ajudou muito a gente, colocamos bastante a JBS, que já estava se recuperando, a WEG também apostamos e acertamos. Essas ações tiveram alta e deixamos na carteira por dois, três meses, e isso ajudou a gente”, afirma. “O mais importante foi que procuramos diversificar ao máximo a carteira, não colocávamos setores correlacionados e, assim, mitigamos os riscos”, completa.
Para 2025, Lage tem uma visão otimista em relação às ações do agronegócio e as exportadoras. Isso porque, em sua visão, o setor agro deve sustentar parte importante do PIB e isso deve se refletir nas ações do segmento. Além disso, com a tendência de que o dólar continue alto, as exportadoras também seguem na mira. Lage, no entanto, não deixa de lado a proteção e afirma que seguirá apostando em prestadoras de serviços e empresas de seguros.
“Acho que 2025 vai ser um ano bom para o agro e o clima não deve prejudicar como foi em 2024. Além disso, temos Donald Trump nos Estados Unidos querendo um dólar forte, o que ajuda as exportadoras”, afirma.
Por fim, Lage afirma que Petrobras e Vale devem continuar no radar. A primeira, por conta da perspectiva que a exploração de poço de petróleo localizado na Bacia da Foz do Rio Amazonas, na Margem Equatorial, deve destravar neste ano. Já a perspectiva para a Vale é de que, em algum momento, as ações voltem a subir.
“Estou olhando Petrobras por causa da Margem Equatorial que pode ter um ano muito bom. E a Vale vai ficar tão barata que temos que olhar para ela, porque a empresa está conseguindo baixar seus custos”, afirma.
Ativa Investimentos
Assim como aconteceu na Ágora, na Ativa, uma das principais atitudes que garantiu um desempenho positivo no ano foi antecipar o risco de que o cenário ficaria mais difícil, segundo Pedro Serra, chefe de pesquisas da corretora.
“O primeiro sinal de alerta para gente foi perceber que Selic iria muito além do que o que o mercado esperava. Isso porque, já vimos no passado que, quando começa alta dos juros todos dizem que ‘é só um ajuste’, mas nunca é, o Banco Central sempre precisa ir além. Quando começou a ter essa crise da questão fiscal, a gente já estava com cabeça mais cautelosa”, afirma o analista.
A partir daí, a corretora começou a alocar em empresas mais conservadoras, como as exportadoras de commodities e companhias mais voltadas ao exterior. Isso não significa, no entanto, que a companhia não procurou oportunidades escondidas. Uma delas, segundo Serra, foi a ação do banco de investimento BR Partners. “Ela é uma small cap (nome dado a empresas de menor valor de mercado) que estava fora do radar dos investidores, mas que estava tendo muitas emissões de debêntures e víamos uma tendência interessante para ela”, afirma.
Um outro caso pontual que ajudou a trazer ganhos para a Ativa foram as ações do Mercado Livre, que segundo o analista, é uma companhia que tem bons resultados mesmo estando inserida no segmento de consumo.
“Ela é um pouco mais ligada a consumo, mas consegue defender bem o mercado dela e é listada lá fora, então tem um componente de dólar no valor das ações. Além disso, a empresa é muito boa, foi um porto seguro para a gente”, diz.
A corretora também apostou eventualmente em construtoras voltadas para baixa renda, que por vezes tiveram valorizações pontuais e ajudaram a manter a seleção da casa no azul, além das ações da Sabesp, também escolhidas devido aos resultados positivos da privatização.
Por fim, para 2025, Serra também acredita que o desafio será maior e o trabalho de escolha dos papéis será mais minucioso. Ele afirma, inclusive, que o investidor deve ficar bem atento aos indicadores econômicos para não correr o risco de perder quando algum momento de alta acontecer.
“Vamos ter que acompanhar o dia a dia, porque é difícil traçar uma tendência no ano. Vamos ter que olhar dado a dado econômico que vai saindo, decisões de governo tanto no Brasil quanto lá fora, mas com consciência de que as coisas estão bem baratas na bolsa brasileira e temos que tomar cuidado para não ficar só na defensiva, porque pode acontecer algo e a bolsa subir e o investidor não pegar esse movimento”, conclui.
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